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Brasil lidera o ranking de consumo de agrotóxicos

Landa Rodrigues, de 40 anos, trabalha na lavoura em Teresópolis, na Região Serrana do Rio, desde criança. Antes ou depois da escola, costumava ajudar a família na produção de verduras. Cresceu plantando mudas, pulverizando agrotóxicos e colhendo o resultado do trabalho esforçado. Aos 20 anos, logo depois de usar um pesticida, seus olhos começaram a arder e inchar. Landa esperou o incômodo passar, mas ele não passou. Hoje, enxerga pouco e sempre soube que a culpa era do veneno, mesmo antes de as substâncias ganharem destaque pelos males à saúde que causam. Enjoos, dores de cabeça, feridas e coceiras na pele são outras lembranças ruins que ela guarda de quando as usava em sua produção, já que há três anos trabalha apenas com orgânicos. Além disso, vítimas de câncer são frequentes na região.

— Câncer aqui é igual a epidemia de dengue no Rio. Não falta caso para contar — diz Landa, lembrando que pai, tio e avô morreram de câncer, o que também ocorreu com alguns vizinhos.

Para cobrar uma redução do uso de agrotóxicos no Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) lançou ontem — Dia Mundial da Saúde, que teve como foco a alimentação segura — um documento no qual compila dados contundentes sobre os riscos dessas substâncias para a saúde, tanto para o agricultor, que está em contato direto com o produto, mas para qualquer consumidor. O instituto quer, com isso, pressionar governos e entidades a aumentar a regulação e o controle, além de incentivar alternativas mais sustentáveis.

Segundo o documento, a venda de agrotóxicos saltou de US$ 2 bilhões em 2001 para mais de US$ 8,5 bilhões em 2011 no Brasil. Desde 2009, o país é o maior consumidor mundial dessas substâncias, com uma média de um milhão de toneladas por ano, o equivalente a 5,2 kg de veneno por habitante. Para se ter ideia, a média dos EUA em 2012 era de 1,8 kg por habitante. Na última década, o mercado de agrotóxicos do país cresceu 190%, ritmo mais acentuado do que o do mercado mundial no mesmo período (93%).

Nos anos 80, o brasileiro era exposto a menos de 1 kg de agrotóxico por habitante. Os principais responsáveis por este aumento são os transgênicos, que requerem grandes quantidades de pesticidas. Por isso, são as lavouras de soja, cana-de-açúcar e outras commodities que lideram o ranking de uso de agrotóxicos. Na agricultura familiar, tomate, pimentão e jiló estão entre os campeões.

O Ministério da Agricultura diz que os agrotóxicos são considerados “extremamente relevantes no modelo de desenvolvimento da agricultura no país” e que “a legislação para o setor agrícola é a mais rigorosa do mundo e adota padrões reconhecidos pela comunidade científica internacional”, inclusive para os transgênicos. Mas o argumento não convence o pesquisador do Inca Luiz Felipe Ribeiro Pinto, que representou o presidente do órgão no lançamento ontem.

— A evolução tecnológica e produtiva não pode ser ad infinitum uma desculpa para o uso de agrotóxico, às custas da saúde da população — criticou Ribeiro Pinto, afirmando que, em média, 280 estudos são publicados em revistas científicas internacionais anualmente estabelecendo a relação entre câncer e pesticida, número quatro vezes superior ao de duas décadas atrás.

Mês passado, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) publicou relatório no qual classificou cinco agrotóxicos como “provavelmente” ou “possivelmente” cancerígenos, dos quais três são permitidos no Brasil pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Diante da publicação, o órgão afirmou que reavaliará a segurança dos produtos. No Brasil, além disso, pelo menos outras dez substâncias usadas na lavoura estão proibidas em países como Estados Unidos e os da União Europeia. E mesmo proibidos ou não, as evidências científicas não garantem a segurança dos agrotóxicos, critica o Inca.

Há dois tipos de intoxicação comprovadas que são causadas por eles. As agudas são decorrentes do contato direto com o produto, prejudicando principalmente o agricultor com irritação de pele e olhos, coceira, vômito, diarreia, espasmos, convulsões e até a morte. Já as crônicas ocorrem pela contaminação prolongada e podem afetar qualquer pessoa: infertilidade, impotência, aborto, malformações, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e nervoso central, além do câncer.

Essas informações começaram a chegar aos poucos à zona rural. O agricultor Édio Ferreira, de 48 anos, de Teresópolis, diz que começou a conhecer pela imprensa, há poucos anos, os riscos de câncer associados ao agrotóxico.

— As notícias me assustaram — afirma Ferreira, que decidiu começar a produzir apenas orgânicos. — É mais trabalhoso, tem que ter mais paciência para deixar a planta surgir, o mato cresce mais rápido, mas pelo menos é mais seguro.

Fabiano Silva, de 37 anos, também produtor de orgânicos, conta que, apesar do receio inicial, acabou sendo atraído pela oportunidade de uma renda maior. Na cultura orgânica, além do banimento dos agrotóxicos, a produção preza pela sustentabilidade, o que inclui regras trabalhistas mais definidas. Ele hoje ganha um salário, tem carteira assinada e divide a produção com o dono do terreno.

— Na agricultura, quando um produto está em alta, todo mundo planta a mesma coisa. Aí o preço despenca. Isso é frequente — conta.

Proprietário da Lagoa Orgânicos, Alcimar Espírito Santo diz que burocracia e poucos incentivos dificultam a prosperidade do negócio. O preço mais alto que o convencional é um dos principais empecilhos, o que ele vem contornando ao eliminar os atravessadores e se aproximando dos agricultores, que hoje já começam a não enxergar o agrotóxico como solução:

— A gente deve buscar libertar o agricultor, aprisionado ao modelo de produção tradicional. Já vem crescendo o número de agricultores se convertendo aos orgânicos. Quem começa não volta.

Fonte: O Globo

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