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Pais que postam muito sobre filhos violam sua privacidade, alertam especialistas

“Qual é a graça de ir na casa da vovó no domingo e não ter nada novo para contar? Todo mundo já sabe que eu fui ao cinema, o que vi na mostra do CCBB e até o que fiz na escola porque você já postou tudo no Facebook, mãe!” Foi a partir desse puxão de orelha do filho Lucas, de 7 anos, que Anamaria Mendes passou a repensar o modo como compartilha informações na internet. De uma gracinha dita em casa às dúvidas da maternidade, ela postava tudo no blog “Universo Materno” e nas redes sociais.

Anamaria não está sozinha. Mais da metade das mães e um terço dos pais ouvidos na pesquisa “Parents on social media: Likes and dislikes of sharenting“ (“Pais em mídias sociais: prós e contras do compartilhamento paterno”, em tradução livre), da Universidade de Michigan, discutem nas redes sociais sobre a educação dos filhos. Muitos são pais de primeira viagem, frutos da geração Y (que nasceu junto com a internet) e usam esses canais para saberem que não estão sozinhos na empreitada de educar uma criança.

Há, contudo, um risco no modo como as pessoas estão compartilhando essas experiências. É o chamado oversharenting, a exposição parental exagerada, alerta a pediatra Sarah J. Clark, pesquisadora associada da Universidade de Michigan.

— Se você compartilha uma foto ou vídeo do seu filho pequeno fazendo algo ridículo, por achar engraçadinho, quando a criança tiver seus 11, 12 anos, pode se sentir constrangida. A autoconsciência vem com a idade. O que determina o cyberbullying é o modo de usar o material compartilhado — diz.

A pesquisa conduzida por Sarah ainda traz outro aspecto curioso: três quartos dos pais ouvidos reconhecem o compartilhamento exagerado de outros pais nas redes. E se preocupam quanto à exposição da privacidade e localização da criança (68%), bem como de sua imagem (67%).

— Às vezes pensamos que nossos filhos são tão especiais que não percebemos que estamos compartilhando demais. É fácil apontar o oversharenting nos outros e não se autoavaliar — justifica a pesquisadora.

A superexposição traz preocupações também quanto à segurança. No ano passado, por exemplo, um criminoso em Santa Catarina admitiu à Polícia Civil que planejou o sequestro de um menino de 9 anos a partir de informações que os pais mostravam no Facebook.

O psicólogo Lucas Parisi, especializado em atendimento de famílias e crianças, cyberbullying e problemas advindos do uso abusivo da internet, observa que a formação das identidades digitais das crianças começa quando elas têm ainda poucos meses de vida:

— A exibição da privacidade dos filhos começa a assumir uma característica de linha do tempo, e eles não participaram da aprovação ou recusa quanto à veiculação desses conteúdos. Assim, quando a criança cresce, sua privacidade pode já estar violada.

Foi o que aconteceu com Anamaria. Ela criou seu blog em 2007, quando ficou grávida de seu primeiro filho. No espaço, compartilhou o progresso da barriga com vídeos no YouTube, o nascimento e a rotina com o filho.

— Minha ideia era apenas a troca de experiência com outras mães. Uma vez, uma mãe brasileira que morava na Europa reconheceu a mim e o Lucas na igreja. Ela disse que o que eu compartilhava tinha ajudado muito, já que estava sozinha em outro país. Esse reconhecimento, aos poucos, foi incomodando o Lucas. Quando íamos tirar fotos, ele perguntava se eu ia postar, pedia para avaliar ou se esquivava.

Por isso, há dois anos, Anamaria mudou de postura e tem respeitado a vontade do filho.

— No mês passado, os dentinhos dele caíram e ele pediu para ninguém comentar na internet. Queria chegar na casa da avó no domingo e mostrar a novidade.

Fonte: O Globo

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