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Vírus da gripe viaja pelo mundo e cada tipo tem um alvo diferente

Antes de o inverno se instalar, os postos de saúde são supridos com uma nova vacina da gripe, e milhares ou milhões de pessoas que são vacinadas respiram aliviadas pela proteção contra aqueles incômodos sintomas que todos conhecem bem. Mas o alívio dura apenas até o inverno seguinte. O vírus da gripe sofre mutações e se movimenta tão rapidamente que é quase impossível emboscá-lo num imunizante que dure por mais tempo. A ideia de pesquisadores foi então chegar à sua origem, traçando uma espécie de árvore genealógica do vírus, para, assim, entender seus padrões de evolução e de deslocamento e, com isso, buscar vacinas mais eficazes. 

O resultado foi o que os cientistas consideram o mais amplo estudo da história da evolução do vírus da gripe, publicado ontem na revista científica “Nature”, uma das principais do mundo. O mapa engloba os quatro tipos de vírus que causam a gripe sazonal em humanos: dois Influenza A (H3N2 e H1N1) e dois Influenza B (Yagamata ou Yam e Victoria ou Vic). Foram analisadas 9.604 cepas desses quatro tipos de vírus coletadas ao longo da última década em todos os continentes. E o que os pesquisadores mostraram é que cada tipo de vírus tem um padrão relativamente previsível de comportamento.

— Em 2008, publicamos um estudo na revista “Science” sobre a circulação do H3N2. Mostramos que a cada ano ele emergia no Leste e Sudeste Asiático e se propagava para o resto do mundo. Achávamos que os outros se comportariam de maneira parecida, mas não foi o que aconteceu — explicou ao GLOBO o autor principal do estudo, Colin Russel, do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Há padrões de comportamento

Uma primeira conclusão para a diferença de comportamento é que esses três vírus evoluem e se dispersam de maneira mais lenta que o H3N2. Outra é quem se torna o alvo da infecção:

— Este trabalho nos mostra que os vírus que infectam crianças são geralmente os que se dispersam mais lentamente e evoluem com menos rapidez do que os que infectam os adultos — acrescenta Russel.

As duas conclusões se complementam: os vírus que evoluem rapidamente, como o H3N2, conseguem atingir os adultos, que já estão imunes a algumas cepas, mas não às novas. Eles geralmente viajam mais do que crianças, ampliando as possibilidades de dispersão dos agentes infecciosos. Na prática, ele surge na Ásia e se desloca para o resto do mundo. No ano seguinte, uma nova cepa do mesmo vírus faz o mesmo. E, segundo Russel, eles provavelmente fazem isso de avião, de carona com seus hospedeiros.

Enquanto isso, vírus que evoluem mais lentamente, como o H1N1 e os do tipo B, infectam principalmente indivíduos que não têm proteção contra agentes infecciosos já comuns no ambiente: as crianças. E, por sua vez, como elas viajam menos do que adultos, também o vírus se dispersa mais lentamente. Por isso, uma determinada cepa pode permanecer numa mesma região por anos. Mas cada região terá uma cepa para chamar de sua.

A cada ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS), com o apoio de setores de vigilância de cada país, seleciona as cepas desses quatro tipos de vírus que são mais frequentes no ambiente e as inclui em vacinas da gripe, que podem ser diferentes dependendo do hemisfério — pois o inverno é alternado. As novas informações trazidas pelo estudo, segundo o pesquisador, são importantes na estratégia de produção desses imunizantes. Como a mutação ocorre sazonalmente, basta coletar uma boa amostra do H3N2 do Sudeste e do Leste Asiático, enquanto que, no caso dos vírus B e H1N1, o ideal é coletar amostras por região.

— Essas variantes, uma vez estabelecidas, podem ajudar na produção de vacinas em regiões ou localidades específicas àquela cepa mais frequente — concorda a infectologista Anna Caryna Cabral, do Hospital Universitário da Uerj e do Hospital Daniel Lipp. — Além disso, influenciam no entendimento da epidemiologia da doença em grupos e em faixas etárias persistentes.

O próximo passo da pesquisa é buscar entender melhor por que os vírus H1N1 e o B evoluem mais lentamente que o H3N2, segundo outro autor do estudo, Trevor Bedford, da Divisão de Doenças Infecciosas no Centro de Pesquisa de Câncer Fred Hutchinson, nos Estados Unidos.

— Agora estamos olhando com mais profundidade para como a evolução afeta a dispersão geográfica dos vírus Influenza — explica Bedford, cujo grupo de pesquisa trabalha em conjunto com a OMS.

Influenza A infecta animais

Professor de infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Celso Granato acrescenta outro motivo para a mutação mais intensa do Influenza A.

— Eles frequentemente acometem outros animais, não apenas o ser humano — explica Granato, citando os criadouros domésticos de aves e porcos, comuns na China. — É um caldeirão genético muito rico. O vírus do porco se mistura com o da ave e do humano, e tem o potencial de criar novos vírus. Daí surgem as grandes pandemias. Já o Influenza B acomete apenas o ser humano e evolui numa velocidade menor.

O que cientistas buscam, segundo Granato, é uma alguma característica do vírus da gripe que não esteja associada às proteínas H e N, que são as que evoluem tão rapidamente, e que esta característica responda a um imunizante universal.

— Estão todos buscando loucamente este caminho — ri Granato. — Quem conseguir isso, não apenas terá uma patente valiosa como dará uma tranquilidade enorme para a população.

Enquanto não chegamos a essa resposta, resta aderir à vacinação anual. O Ministério da Saúde encerrou a campanha na última sexta-feira, mas recomendou que estados que não tivessem atingido a meta esperada dessem continuidade ao programa. Pelo balanço do ministério, 35,9 milhões (73%) do público-alvo foram vacinados, enquanto que o estipulado eram 49,7 milhões (80%).

Apenas cinco estados já atingiram a meta: Amapá (89,4%), Paraná (83,5%), Santa Catarina (82,2%) Espírito Santo (81,8%) e Amazonas (81.4%). Idosos, trabalhadores da saúde, crianças, indígenas, gestantes e puérperas (45 dias após o parto) estão no grupo de risco.

Segundo o ministério, a vacina é segura e considerada uma das medidas mais eficazes na prevenção de complicações e casos graves de gripe. Ela reduz em até 75% a mortalidade por complicações.

— Esta baixa imunização nos traz grande frustração, porque isto poderá provocar maior número e gravidade dos casos de gripe no inverno — afirma Granato.

Fonte: O Globo

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