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Criança que não come bem: como lidar com a situação

Quem nunca enfrentou uma dificuldade para alimentar os filhos que atire a primeira papinha. Toda criança tem seus gostos e preferências – e algumas são especialmente difíceis de agradar quando o assunto é comida. O livro Helping your child with extreme picky eating (em tradução livre: “Como ajudar o seu filho com alimentação extremamente seletiva”), recém-lançado nos Estados Unidos, trata justamente sobre isso.

O livro explica aos pais e cuidadores como solucionar os desafios alimentares das crianças e conseguir fazer refeições prazerosas em família – sem estresse e sem precisar barganhar colheradas. Um dos segredos, segundo as autoras, é nunca fazer seu filho comer à força, já que isso pode gerar ansiedade diante da comida e dificultar as coisas mais para frente. Se o seu filho rejeita um alimento, por exemplo, o conselho das autoras é relaxar e continuar oferecendo esse mesmo alimento em várias outras ocasiões, usado em novas receitas, preparado de diferentes formas, até que a criança encontre uma que a agrade.

Escrito pela médica especialista em alimentação infantil Katja Rowell e pela fonoaudióloga especializada em tratamentos de transtornos alimentares de crianças Jenny McGlothlin, a obra ainda não tem previsão de lançamento em português. A seguir, confira entrevista concedida por Katja.

Quais são as diferenças entre o seu livro e os demais que tratam de alimentação infantil?

K. R.: O principal foco é a relação entre as crianças e os pais. Todos os pais desejam ter refeições agradáveis à mesa com os filhos. Nós acreditamos que, muitas vezes, os adultos acabam se sentindo frustrados com aqueles conselhos antigos: faça com que a criança coma, dê uma recompensa, negocie comida em troca de sobremesa ou videogame. Esse tipo de comportamento só aumenta a luta de poder, faz as famílias se sentirem arrasadas e não ajuda a criança a comer alimentos variados. Nosso livro apóia a alimentação infantil e visa diminuir a ansiedade e a discussões. O ponto forte são as sugestões de várias estratégias práticas. Damos exemplos de como os pais podem aplicá-las diante dos desafios e, ao mesmo tempo, serem carinhosos, mantendo-se próximos à criança. Esses sentimentos bons e de confiança são cruciais para ajudá-la a superar a ansiedade diante da comida.

No livro você diz que há diferentes “temperamentos  alimentares”. Quão importante é que os pais entendam isso e não fiquem comparando a alimentação das crianças?

K. R.: Algumas crianças são curiosas e aventureiras, enquanto outras são mais cautelosas e suspeitam de novas experiências. Pense em qualquer festa infantil: algumas correm, riem, se soltam. Outras precisam de mais tempo para interagir e preferem apenas observar em vez de participar das atividades. Da mesma forma, as crianças também se comportam de maneiras diferentes diante da comida. É preciso compreender que há crianças que, por exemplo, adoram abacate logo na primeira vez que experimentam, mas algumas levarão anos ou nunca irão gostar. Por isso, os pais devem relaxar e continuar oferecendo o alimento rejeitado várias vezes, de diferentes formas, e não forçar a criança a comer. Acreditamos que muitos adultos se lembram de pelo menos um alimento que foram forçados a comer na infância e que deve ter levado anos para gostar daquilo – se é que passaram a gostar.

Todos os pais são capazes de alimentar seus filhos (sejam eles abertos às novidades ou muito seletivos). Todos nós lidamos com a comida de formas diferentes. Alguns amam comer e planejar as refeições, mas outros não se interessam tanto assim. Um pai ou mãe que ama comida e costuma comer a cada 3 ou 4 horas sente dificuldade para lidar com uma criança que não tem tanto apetite assim. Quando os pais entendem essas diferenças e compreendem os motivos desses desafios, eles conseguem sentir mais empatia e ajudar a criança a se alimentar. 

Há um trecho do livro que diz: “A alimentação é imprevisível. Algumas crianças comem muito em alguns dias e quase nada em outros, podendo até recusar seus alimentos favoritos”. Por que isso acontece?

K. R.: O ritmo de crescimento é muito acelerado no primeiro ano de vida, mas, nos toddlers (crianças de 2 a 3 anos), esse ritmo diminui. Por isso, naturalmente, muitas nessa faixa etária ficam seletivas – isso se deve também, em parte, porque elas aprendem a dizer “não” e observam a reação dos pais. A alimentação de crianças pequenas não é racional e nem previsível. Eles amam um alimento em um dia e o jogam no chão no outro. Elas podem querer apenas arroz no almoço ou só frango no jantar. Mas esse comportamento tende, no geral, a se nivelar ao longo de um dia ou de uma semana em termos de nutrição. Muitos pais acham que a criança precisa comer muito mais do que ela come e acabam pressionando para que coma mais. Eles costumam dizer: “Só mais duas colheradas e você pode ir brincar”.

Os bebês nascem com a habilidade de autorregular o apetite. Se os pais tentam constantemente fazer a criança comer muito, podem acontecer duas coisas: ou elas vão simplesmente ignorar a sensação de saciedade ou então irão resistir, comer menos e, como consequência, ganharão menos peso.

No livro, você diz aos pais que eles não estão sozinhos, que a seletividade da criança não é culpa deles e que alguns fatores estão além do controle. É reconfortante saber disso. O que você diria para quem ainda se culpa pelas dificuldades em alimentar os filhos?

K. R.: Estimativas mostram que de 10% a 15% das crianças apresentam comportamento extremamente seletivo para comer. Há um longo caminho a ser percorrido para que os pais deixem de se sentir culpados pela resistência das crianças. Eles sempre fazem o melhor que podem e, às vezes, erram por conta de dicas que receberam de outras pessoas e que não funcionam. Reconhecer isso pode diminuir esse sentimento.

Mas, se mesmo assim a culpa persiste, a orientação é que eles se deem tempo de senti-la e compreendê-la. O conselho é respirar fundo, chorar um pouco se for preciso, ou fazer qualquer outra coisa que possa aliviar. Todos nós cometemos erros de vez em quando, mesmo que nos esforcemos para não errar. Bons pais sabem quando é preciso pedir ajuda e quando devem tentar algo diferente. Faça o que todos nós fazemos como pais: aprenda com os erros, busque ajuda profissional se for preciso e vá em frente! A boa notícia é que as crianças sempre podem ter progressos e as coisas melhoram. Quando os pais se sentem compreendidos e se empoderam com informações isso ajuda a não sentir culpa. 

Quais são as principais preocupações dos pais em relação à alimentação e como você os aconselha a lidar com elas?

K. R.: Os pais costumam se preocupar com o crescimento e a nutrição das crianças. Uma pesquisa interessante mostra que, quanto mais os pais forçam a criança a comer, menos ela come e menos engorda. Mas a questão é: os pais realmente precisam se preocupar? A maioria das crianças se sai melhor em termos de nutrição do que os pais imaginam. Na América do Norte, a maior preocupação parece ser sobre a questão da proteína, mas a maioria das crianças ingere mais do que suficiente. Nós acreditamos, no entanto, que toda criança que apresente muita resistência para comer deve fazer exame para checar os níveis de ferro no sangue.

Quais táticas definitivamente não funcionam para fazer a criança comer e devem ser evitadas?

K. R.: Os pais nunca devem forçar a criança a comer enquanto ela chora, grita ou sente ânsia. Isso só aumenta a ansiedade e não ajuda em nada. Usar TV, vídeos no tablet ou no computador para distrair a criança e fazê-la comer parece funcionar para conseguir que ela coma umas colheradas a mais, mas deixa muito a desejar. Isso porque não permite que a criança aprecie o alimento e não a ensina a perceber a saciedade do próprio corpo. Se você está agindo de forma a apenas fazer a criança comer em vez de ensiná-la a sentir prazer com a alimentação, provavelmente você irá falhar. A criança precisa aprender a comer a partir da fome e do apetite, e não para agradar os adultos ou para ganhar brinquedos.

Como funciona o método STEPS+, que vocês criaram e ensinam no livro?

K. R.: O STEPS+ é uma forma de acabar com a batalha pela alimentação e, quem sabe, fazer o momento da refeição ser aguardado com entusiasmo. É um método eficaz desde os toddlers até as crianças em idade pré-escolar. Queremos ajudar a família a melhorar e, ao mesmo tempo, ensinar a criança a apreciar uma maior variedade de alimentos, na quantidade certa. O intuito é não deixar os desafios dominarem a rotina. Cada passo do nosso método é detalhadamente explicado em cada capítulo do livro. Os cinco passos são: a) diminuir a luta de poder, a ansiedade e o estresse – tanto seu como do seu filho; b) estabelecer uma rotina; c) desfrutar de refeições prazerosas em família; d) planejar cardápios e entender o que e quanto comer; e) fortalecer e apoiar as habilidades motoras e sensoriais das crianças.

Quanto tempo demora para os pais verem os progressos do método?

K. R.: Isso depende de muitos fatores. Temos visto crianças que antes nunca queriam comer e, logo na primeira aplicação do método, já pedem para repetir o prato. No geral, estamos vendo o apetite aumentar rapidamente, em poucos dias. A aceitação da variedade de alimentos leva mais tempo. Quanto mais nova a criança, mais rápido vemos os resultados.

Qual é a importância de ambos os pais e os demais cuidadores estarem envolvidos no processo?

K. R.: O ideal é que todos os adultos que alimentam a criança e fazem as refeições com ela estejam usando a mesma abordagem. E isso pode incluir os avós, a babá e os professores. Por exemplo: não adianta a família fazer progressos em casa se, na escola, a professora insistir que a criança só pode brincar depois que “comer tudo”. Vejo famílias em que apenas um dos pais deixa de punir quando a criança não come, mas o outro continua a fazer chantagens. Os pais precisam conversar um com o outro e ser muito francos. Se não concordam entre si, pode ser melhor que apenas um deles assuma a liderança da tarefa por uns seis meses, para ver se há resultados.

Todos nós fomos criados com as regras de nossos pais e temos memórias relativas à comida. Se eles faziam com que comêssemos vegetais para poder comer a sobremesa, provavelmente agiremos assim com nossos filhos. No entanto, se éramos forçados a comer e isso se tornou uma má memória, nós tendemos a compensar isso deixando as crianças comerem o que e quando quiserem.

Fonte: Crescer

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