post image

Sedentários tendem a ter cérebro menor quando chegam à velhice

Mente sã num corpo são. O antigo ditado de origem latina que associa o bem- estar físico com o mental tem se mostrado cada vez mais verdadeiro à luz da ciência moderna. Em novo estudo, pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Boston, EUA, encontraram indicações de que o sedentarismo na meia- idade pode levar a uma diminuição do volume cerebral mais tarde na vida. Já outra avaliação de cientistas da mesma instituição americana e da Universidade de Bordeaux, França, também divulgada ontem, detectou uma queda na incidência de demências nos últimos 40 anos, em especial as associadas a problemas vasculares, em paralelo ao declínio na prevalência de fatores de risco cardíaco como tabagismo e hipertensão, apesar da tendência de alta de dois deles — obesidade e diabetes.

Ambas as pesquisas tiveram como base dados do Estudo do Coração de Framingham ( FHS, na sigla em inglês), que desde os anos 1940 acompanha a saúde cardiovascular de moradores dessa cidade no estado americano de Massachusetts. Na primeira, os filhos do grupo original de voluntários incluídos no estudo junto com seus cônjuges passaram por uma avaliação de seu condicionamento físico, com testes de esforço em esteiras, entre 1979 e 1983, quando tinham em média 40 anos. Cerca de 20 anos depois, entre 1998 e 2001, sua saúde cardiovascular voltou a ser avaliada, junto com exames de ressonância magnética do cérebro.

PISTAS A PARTIR DA ESTEIRA

Comparando os resultados nos testes de esforço com os exames de volumetria cerebral, os pesquisadores encontraram uma correlação entre seu condicionamento físico e o tamanho do cérebro, com os que tiveram pior desempenho na esteira apresentando também sinais de envelhecimento precoce do cérebro.

— Achamos uma correlação direta entre o mau condicionamento físico e o volume do cérebro décadas depois, o que indica um envelhecimento cerebral acelerado — resume Nicole Spartano, pesquisadora da Escola de Medicina da Universidade de Boston e primeira autora de artigo sobre este estudo, publicado ontem na revista “Neurology”, editada pela Academia Americana de Neurologia.

Nesta avaliação, os pesquisadores dividiram os voluntários em dois grupos para controlar os resultados pela presença ou ausência de problemas cardiovasculares. No primeiro, 1.583 indivíduos estavam livres dessas condições quando do segundo teste de esforço. Já no outro grupo, totalizando 1.094 pessoas, todos já tinham desenvolvido alguma doença cardíaca ou tomavam remédios para controlar a pressão na segunda passagem pela esteira.

Medindo seu desempenho a partir de um indicador conhecido como VO2 Máximo, que mostra a quantidade máxima de oxigênio que o corpo pode usar em um minuto durante um exercício físico cada vez mais demandante, eles verificaram que, na média dos dois grupos, a cada oito unidades a menos no resultado do teste de esforço, o volume do cérebro duas décadas depois era menor no equivalente a dois anos de envelhecimento. Já excluindo o grupo que apresentava problemas cardíacos ou tomava remédios quando do segundo teste, essas mesmas oito unidades a menos no desempenho foram associadas à perda de volume cerebral equivalente a um ano de envelhecimento.

Além disso, o estudo mostrou que as pessoas cuja pressão sanguínea e frequência cardíaca subiam de forma mais acelerada no teste de esforço também tinham maior risco de ter cérebros menores duas décadas depois. Segundo Nicole, esses sinais de mau condicionamento físico podem ser reveladores de problemas cardiovasculares latentes que, novamente, seriam capazes de fazer o cérebro envelhecer mais rápido. Apesar disso, a pesquisadora destaca que seu estudo foi apenas observacional e não prova de forma alguma que o sedentarismo faz o cérebro encolher, mostrando apenas uma associação entre os dois fatores.

— Enquanto isso não for estudado em grande escala, nossos resultados sugerem que um bom condicionamento físico na meia- idade pode ser particularmente importante para milhões de pessoas ao redor do mundo que já apresentam sinais de problemas cardíacos — conclui.

INCIDÊNCIA DE DEMÊNCIAS RECUA

Já o segundo estudo, publicado no periódico científico “New England Journal of Medicine”, buscou nos dados do FHS indicações de uma variação na incidência de diversos tipos de demência, como o mal de Alzheimer ou as provocadas por problemas vasculares nessa mesma população desde os anos 1970. No caso, a preocupação central dos cientistas estava no fato de que, com o envelhecimento da população global, estimativas da Organização Mundial da Saúde ( OMS) apontam que a quantidade de vítimas desses males deverá disparar nas próximas décadas, saindo de um total de 47,5 milhões atualmente para 75,6 milhões em 2030 e 135,5 milhões, ou quase o triplo de hoje, até 2050.

Apesar disso, os pesquisadores liderados por Sudha Seshadri, professora de neurologia da Universidade de Boston, encontraram sinais de uma redução relativa na incidência de deficiências cognitivas nesta população nas últimas quatro décadas. Segundo os cálculos dos cientistas, os riscos de desenvolver algum tipo de demência num prazo de cinco anos a partir dos 60 anos eram de 3,6 para cada cem participantes do estudo entre 1977 e 1983, e caíram para 2,8 a cada cem de 1986 a 1991, reduzindo novamente para 2,2 por cem voluntários no período de 1992 a 1998 e atingiram 2 por cem, ou 44% menos que a incidência original, entre 2004 e 2008.

Estes ganhos se concentraram em duas variáveis de controle principais. A primeira é a escolaridade, com a diminuição da ocorrência focada essencialmente na população com diplomas do ensino médio ou superior. A segunda, contudo, é a que traz a maior promessa de prevenção, pois embora quase não tenha havido queda na incidência do mal de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas, houve uma forte redução nos casos de demência por problemas vasculares, o que inclui, por exemplo, perdas cognitivas causadas por derrames cerebrais. De acordo com os pesquisadores, essa queda acompanhou a tendência de redução de fatores de risco como tabagismo e hipertensão descontrolada, mesmo que tenha sido identificada elevação na prevalência de outros perigos, como obesidade e diabetes.

— Atualmente, não há tratamentos efetivos para curar demências, mas nosso estudo dá a esperança de que alguns casos possam ser evitados, ou pelo menos adiados, por estratégias de prevenção primárias ( que impedem a doença de começar) ou secundárias ( que interrompem seu progresso após diagnosticada) — destaca Sudha. — Uma prevenção efetiva poderia diminuir em algum grau a explosão projetada no número de pessoas que serão afetadas por essas doenças nas próximas décadas.

Matéria completa em O Globo

Compartilhar

Permito o uso de cookies para: