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Saiba por que é tão difícil adotar hábitos saudáveis

O topo da lista de resoluções de ano novo de Vanessa Campos se mantém inalterado há quase uma década. Emagrecer, para ela — e para tantos brasileiros —, já entrou na categoria hors concours de metas pessoais. E olha que não faltaram tentativas de reverter esse quadro: dietas restritivas que exigem, por exemplo, um dia inteiro apenas à base de sopa; medicamentos que impedem a ingestão de comida até o meio-dia; matrícula em academias que, por falta de motivação, ela acabou desistindo de frequentar; e consulta a tantos nutricionistas que ela já perdeu a conta. O único cálculo que não lhe escapa é aquele revelado pela balança: exatos 113 quilos e 200 gramas. O grande desafio de Vanessa é mudar completamente sua rotina, algo que o nosso cérebro odeia. O tempo mínimo para adquirir um novo hábito, dizem pesquisas, é de três meses — a duração média que o cérebro leva para estabelecer novas conexões. E, para firmar com segurança o tal hábito, seriam necessários, em geral, de oito meses a um ano.

Entre as muitas explicações para essa demora está o alto nível de recompensas imediatas que hábitos ruins tendem a nos oferecer. Portanto, mudar uma rotina para obter uma recompensa somente em médio ou longo prazo seria quase “anti-humano”. Corroborando essa análise, neurocientistas da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, publicaram este fim de semana um estudo que evidencia o quanto as pessoas se “prendem” a comportamentos passados que geraram para elas algum tipo de ganho. Monitorados por scanners cerebrais, os participantes tiveram de procurar figuras vermelhas em uma tela de computador repleta de imagens coloridas. A cada objeto vermelho que identificavam, os voluntários recebiam US$ 1,50.

No dia seguinte, a tarefa mudava: eles passaram a ter que procurar por determinados formatos, em vez de cores. No entanto, sempre que uma figura vermelha aparecia na tela, o cérebro deles se enchia de dopamina, o que significa que eles voltavam sua atenção para essas imagens, ainda que soubessem que elas não lhes trariam mais qualquer recompensa.

— Não temos controle completo sobre o que chama nossa atenção. Eu posso escolher entre uma comida leve e uma mais pesada, mas minha atenção vai continuar recaindo sobre o fettuccini Alfredo. A memória do meu corpo se lembra dele como suculento — exemplifica a autora Susan Courtney, professora de Ciências Psicológicas e do Cérebro da Johns Hopkins.

E, se o cérebro demora a se acostumar com mudanças que levarão tempo para mostrar benefícios, a situação fica ainda pior caso essas alterações de rotina sejam enormes. É esse um dos principais obstáculos que a Vanessa tem enfrentado.

— Muitos nutricionistas pedem comportamentos que são radicais demais para mim, que tenho péssimos hábitos já há muito tempo. Eu entendi que preciso ir aos poucos, porque não tenho que perder dois quilos para ir a uma festa, e sim mudar de vida para perder 50 quilos. E, para isso, só uma completa reeducação — diz ela.

MENOS EXPECTATIVAS

Metas muito ambiciosas costumam enterrar projetos de mudança, afirma Marie Bendelac, mestre em treinamento comportamental e uma das fundadoras da Be Coaching, empresa especializada no ramo.

— É importante baixar expectativas. Parece contraditório, mas funciona na maioria dos casos — assegura ela. — Se uma pessoa quer caminhar, em vez de começar fazendo uma hora de exercício, deve começar com cinco, dez minutos. Ela vai perceber que é possível fazer mais e então sua trajetória será ascendente. É bem melhor do que traçar uma meta inicial de grande porte e fracassar logo no primeiro objetivo.

Segundo a sócia de Marie, a psicóloga Wanda Quadra, quem quer mudar precisa definir com clareza o seu intento, traçando uma meta com cinco características: específica, mensurável, atingível, realista e com prazo determinado.

— A pessoa precisa avaliar seu nível de motivação e de prontidão para a mudança. Ela tem que identificar numa escala de 1 a 10 como aquilo é importante para a vida dela, para estabelecer suas prioridades — analisa Wanda.

Piers Steel, membro do Grupo de Pesquisas de Procrastinação da Universidade de Calgary, no Canadá, ressalta que a chave do sucesso de uma tentativa de mudança reside nas primeiras semanas, as mais difíceis. Segundo ele, apenas metade das pessoas consegue cumprir suas resoluções até o terceiro mês. Mas, uma vez ultrapassada essa marca, o índice dos que desistem é progressivamente menor.

— Depois de três meses, a taxa de abandono das resoluções cresce apenas 1 ponto percentual ao mês, o que não é nada mal — avalia ele.

Para Marcia Stanzione, professora de psicologia do Centro Universitário Celso Lisboa, o medo do desconhecido é um dos principais entraves.

— Tendemos à repetição do que já conhecemos. Qualquer caminho novo nos desestabiliza e, então, evitamos. Além disso, hoje o ser humano enumera muito mais metas do que outrora. Isso dificulta cumprir todas — afirma a especialista.

ADOTE NOVAS ESTRATÉGIAS

Identifique suas prioridades atuais: Autoconhecimento é a dica número um da psicóloga Wanda Quadra. Segundo ela, apenas depois de identificar desejos e prioridades as pessoas conseguem identificar as barreiras do dia a dia que as impedem de atingir seus objetivos. “Uma pessoa que quer emagrecer pode ter dificuldade porque tem um emprego muito estressante, que a faz dormir pouco e comer mais à noite. Reconhecendo isso, ela passa a saber o que precisa mudar para ter mais chances de perder peso”, aconselha ela.

Analise como você gasta o seu tempo: Falta de tempo não pode ser desculpa para adiar realizações, dizem especialistas. “A inércia é uma vilã. É preciso sentar e reorganizar seus horários, dedicando mais tempo para suas metas”, diz Wanda.

Trace metas específicas e mensuráveis: Criar metas megalomaníacas ou incompatíveis com sua realidade financeira não é recomendado pela psicóloga Marcia Stanzione. “Objetivos assim são quase sinônimo de fracasso. E, se a pessoa acumula muitos fracassos, chega uma hora que ela já nem traça mais planos. Em contrapartida, após o segundo sucesso seguido, a motivação e a confiança pessoal já atingem um pico, dando força para tornar os objetivos maiores”, afirma ela.

Não exagere na quantidade de metas: Esse, segundo Marcia, é um sintoma contemporâneo: o ser humano elabora muito mais metas do que no passado. Logo, o risco de frustração cresce.

Recupere estratégias que deram certo: Se, por exemplo, alguém que quer parar de fumar alcançou isso em algum momento, mas logo teve uma recaída, é bom tentar se lembrar do que o fez conseguir parar. Mesmo que tenha sido por pouco tempo, só o fato de ter conseguido indica que algo funcionou. O importante, nesta segunda vez, é identificar qual “gatilho” provocou a recaída.

Crie algumas recompensas: Um dos aspectos mais importantes na mudança são as recompensas. O ser humano, de certo modo, é movido por elas. E é por isso que é tão importante poder mensurar cada pequena conquista e oferecer a si mesmo pequenos presentes por elas. Mas atenção: tem que ser algo saudável — física, mental e financeiramente!

Matéria completa em O Globo

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