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Nestlé investe na área de alimentos médicos

Numa esquina do campus de uma universidade de pesquisa técnica em Lausanne, na Suíça, cientistas da Nestlé SA estão desvendando perfis genéticos para desenvolver alimentos medicinais — uma das grandes esperanças da empresa para expandir suas vendas. Não se trata das barras de proteína que as pessoas compram antes de ir para a academia. A empresa suíça de alimentos está explorando o segmento de pós e bebidas vendidos com receita médica para suprir as necessidades nutricionais exigidas no tratamento de doenças. Para a Nestlé, esse mercado, que movimenta US$ 15 bilhões por ano, tem um grande potencial dado o envelhecimento da população global, num momento em que a empresa enfrenta tempos difíceis em seu setor tradicional de alimentos embalados. As vendas de pizzas congeladas e sorvetes vêm caindo e, por três anos consecutivos, a Nestlé não conseguiu atingir sua meta de 5% a 6% de crescimento orgânico de vendas por ano.

Ontem, a Nestlé divulgou uma receita de 20,93 bilhões de francos suíços (US$ 21,64 bilhões), quase igual à do mesmo período de 2015 e um pouco abaixo da previsão dos analistas. O diretor-presidente Paul Bulcke disse que a Nestlé estava ganhando participação de mercado em várias categorias, com desempenho forte no Nescafé, no negócio de cápsulas de café Nespresso e no de produtos para animais de estimação.

imageJá o crescimento orgânico das vendas (excluindo aquisições e efeitos cambiais), de 3,9%, superou as expectativas e aliviou um pouco as preocupações dos investidores com a suposta lentidão da Nestlé em reagir a um mercado global mais adverso e o surgimento de rivais de grande porte, como a recém-criada Kraft Heinz Co., controlada pela firma brasileira de investimento 3G Capital.

Nesse cenário, os alimentos medicinais podem ser uma oportunidade. “Por muito tempo, a nutrição foi vista como uma espécie de pseudociência”, diz Ed Baetge, chefe do Instituto da Ciência da Saúde da Nestlé. “Para muitas doenças, como a demência em idosos, por exemplo, existe uma necessidade clínica enorme de novas abordagens, onde os alimentos podem fazer uma grande diferença.” Para os céticos, porém, o setor ainda é cheio de incertezas. Ao contrário dos suplementos dietéticos, os alimentos medicinais são concebidos para pessoas com doenças crônicas, não pessoas saudáveis. Eles devem ser usados com supervisão médica porque se destinam ao tratamento de doenças sérias, como o Mal de Alzheimer.

No subsolo do prédio de quatro andares do instituto da Nestlé, próximo ao Lago Genebra, máquinas no valor de cerca de US$ 1 milhão cada analisam o DNA humano para desenvolver programas personalizados, baseados em perfis genéticos específicos, para tratar doenças como epilepsia e desordens intestinais. Com estes dados, os cientistas vão desenvolver alimentos medicinais contendo compostos naturais extraídos de alimentos como tomates, café e uvas. Criado há cinco anos, o instituto já gastou metade de seu orçamento de US$ 500 milhões para o período que se encerra em 2021, apesar de alguns projetos se estenderem para além desse prazo.

E a Nestlé está em meio a uma onda de aquisições nos Estados Unidos. No começo do ano, ela fechou um acordo para ajudar a empresa americana de biotecnologia Seres Therapeutics Inc. a desenvolver produtos destinados a restaurar o equilíbrio bacteriano no sistema digestivo. Ela também comprou uma participação na Pronutria Biosciences Inc., de Massachusetts, uma “startup” que está desenvolvendo produtos à base de aminoácidos para tratar perda de massa muscular.

As tendências demográficas são um incentivo a esses investimentos. A proporção de pessoas com mais de 60 anos — um grupo importante para o segmento de alimentos medicinais — deve crescer dos atuais 12% para 22% da população mundial até 2050, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. “Queremos ter um impacto significativo na lucratividade total da empresa no longo prazo”, diz Greg Behar, chefe da divisão de Ciência da Saúde da Nestlé, que comercializa os produtos desenvolvidos a partir das descobertas dos laboratórios do instituto.

Os analistas, em geral, estão entusiasmados com o potencial da área de saúde da Nestlé, que inclui suplementos nutricionais e alimentos para pessoas recém-operadas, dizendo que ela cresceu mais rápido do que as demais unidades da empresa em 2015, faturando cerca de 2 bilhões de francos suíços. A meta da Nestlé é elevar a venda anual da divisão para 10 bilhões de francos nos próximos anos. Mas há preocupações quanto ao tempo necessário para colocar esses produtos no mercado e o alto custo das pesquisas.

De fato, nem todos os especialistas estão convencidos. “Apesar de estar claro que aquilo que comemos e bebemos tem um efeito importante em nossa saúde, não há provas suficientes documentando que alimentos proporcionam um efeito médico relevante”, diz Ben Locwin, cientista da Associação Americana de Cientistas Farmacêuticos.

Muitos produtos podem ter um efeito placebo, com consumidores “pensando” que foram beneficiados quando realmente não foram, diz. O médico Philip Gerber, especialista em nutrição clínica no Hospital Universitário de Zurique, tem usado mais alimentos medicinais nos últimos anos, mas precisa de mais dados. “Não tenho certeza de que veremos uma enorme explosão de mercado aqui. Esses produtos precisam provar a sua eficácia”, diz.

A Nestlé afirma que, antes da introdução no mercado, são necessários estudos para mostrar que seus produtos são seguros, benéficos e eficazes para atender às necessidades nutricionais dos pacientes. Além disso, alguns de seus produtos, como um que está sendo desenvolvido para ajudar a controlar as doenças inflamatórias intestinais, estão sendo desenvolvidos através do processo convencional de testes clínicos. “As provas clínicas são muito importantes para nós”, diz Marie-Françoise Rütimeyer, uma porta-voz da área de Ciência da Saúde da Nestlé.

Fonte: WSJ

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