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Zika causa danos mais sérios em bebês do que se esperava

Numa pequena sala de exames em Salvador, Ana Gabriela do Prado Paschoal começou um ritual doloroso que já se tornou familiar. A cabeça de seu bebê é menor que o normal, disse a médica à ansiosa mãe, que contraiu o vírus da zika durante a gravidez. A criança de três meses, Maria Luiza, também tem lesões no cérebro. Seus músculos são mais rígidos que o normal, um sintoma dos danos cerebrais. Maria Luiza vai levar mais tempo para começar a andar e a falar, disse a médica à mãe, uma trabalhadora rural de 24 anos de idade. Provavelmente haverá complicações mais sérias, mas a médica decidiu que já tinha dado notícias ruins demais por um dia.

A escala e a gravidade dos danos pré-natais causados pelo vírus da zika são muito maiores que os defeitos de nascimento associados à microcefalia, uma doença caracterizada pelo tamanho reduzido da cabeça e anormalidades no cérebro. Ultrassonografias, imagens e autópsias mostram que o vírus da zika corrói o cérebro do feto. Ele encolhe e destrói os lóbulos que controlam o pensamento, a visão e outras funções básicas e previne que partes ainda não formadas do cérebro se desenvolvam.

“Esses não são apenas [casos de] microcefalia, com uma cabeça um pouco menor. A estrutura do cérebro é muito anormal”, diz Jeanne Sheffield, diretora de medicina pré-natal na Faculdade de Medicina John Hopkins, que vem aconselhando mulheres grávidas sobre a microcefalia há 20 anos.

A microcefalia, um raro defeito de nascimento que afeta cerca de seis em cada 10 mil bebês nos Estados Unidos, é frequentemente associada a atrasos no desenvolvimento e deficiências mentais. Mas algumas crianças são apenas afetadas levemente. No Brasil, praticamente todos os casos relacionados à zika envolvem dano cerebral significativo. Os bebês mais afetados pela zika no Brasil morreram antes do parto ou poucas horas depois. Ninguém sabe ao certo quanto tempo os sobreviventes viverão ou que tipo de ajuda poderão receber nos anos futuros.

O Brasil está se preparando para a segunda fase de uma crise que já dura seis meses: Cuidar de crianças com uma vasta gama de deficiências. Especialistas começaram a chamar a constelação de problemas relacionados ao vírus de Síndrome Congênita da Zika, numa forma de identificar recém-nascidos com deficiências mais severas do que as descritas nos casos clássicos de microcefalia. Muitas vezes, um líquido preenche os espaços onde não há tecido cerebral.

“Há áreas do cérebro que nem chegam a se formar”, diz Janeusa Primo Chagas, chefe de neurologia pediátrica do hospital da criança das Obras Sociais Irmã Dulce, onde Paschoal também trabalha.

Maria Luiza foi um dos mais de mil recém-nascidos desde outubro que apresentaram defeitos de nascimento supostamente relacionados ao vírus da zika. Muitas das crianças sob os cuidados de Chagas e Paschoal podem nunca ser capazes de aprender a falar ou a andar, diz Chagas. Algumas terão dificuldade para enxergar. Muitas poderão desenvolver epilepsia.

“É seguro dizer que praticamente todas elas vão precisar de tratamento contínuo de longo prazo”, diz Edwin Trevathan, professor de neurociência da Universidade Baylor, no Texas, e ex-diretor do centro nacional para defeitos de nascimento e deficiências de desenvolvimento dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA – ou CDC, na sigla em inglês.

Dar a notícia para as novas mães é torna o trabalho dos médicos mais difícil. Mães chegam para as consultas animadas porque a cabeça de seus bebês cresceu. Chagas tem a tarefa de dizer a elas que a mudança não é um sinal de melhora, mas do acúmulo de fluídos na cabeça que precisam ser drenados.

Paschoal, uma residente de pediatria neurológica, frequentemente tenta amenizar a notícia, como fez com a mãe de Maria Luiza, Eliane Moreira de Carvalho, porque é impossível saber a severidade dos defeitos de nascimento que se manifestam agora. Carvalho estava otimista depois da consulta. “Agora, precisamos seguir em frente e cuidar dela”, disse.

A jovem mãe disse que não vai ter mais filhos para poder se concentrar em Maria Luiza. Seu marido também trabalha no campo e a família recebe assistência financeira do governo para poder sobreviver.

Maria Luiza tem várias anormalidades no cérebro: o corpo caloso, que conecta os dois hemisférios do cérebro e serve de meio de comunicação entre eles, não se formou direito. Seu olho direito poderá ser comprometido, outro sinal de dano cerebral. “Tomamos cuidado quando falamos com eles porque ninguém quer receber esse tipo de notícia”, diz Paschoal. Depois de ver os primeiros casos no ano passado, Paschoal disse que teve vontade de chorar. A médica residente, de 29 anos, tem medo de ter filhos, diz ela: “Eu quero ter, mas você não pensa em algo assim.”

Novos riscos

Os cientistas estão tentando entender como um vírus que parecia ser benigno desde que foi identificado, quase 70 anos atrás, pode agora ter se tornado um risco tão grave. Uma possibilidade, dizem eles, é de que complicações sérias passaram quase despercebidas à medida que o vírus se espalhou da África para a Ásia e as ilhas do Pacífico. Infecções podem ter passado por países pobres sem um acompanhamento eficaz da doença, ou os surtos podem ter sido muito menores, tornando as complicações mais difíceis de identificar.

Os cientistas também estão averiguando se mutações do vírus o tornaram mais potente ou mais transmissível enquanto ele se propagava pelo mundo. Pesquisadores analisaram registros médicos de gestações e nascimentos durante e depois de um surto de zika na Polinésia Francesa ocorrido em 2013 e no início de 2014. Eles descobriram 19 fetos e recém-nascidos com anormalidades cerebrais semelhantes às observadas agora no Brasil; seis dos bebês ainda estão vivos, mas severamente debilitados, afirma um estudo publicado em março.

Especialistas em desenvolvimento infantil dizem que o vírus zika pode desencadear outros defeitos de nascimento que não serão detectados até que estes bebês cresçam. “Nós antecipamos que haverá um espectro de resultados”, diz Margaret Honein, epidemiologista de uma força-tarefa para gravidez e defeitos congênitos, uma das iniciativas do CDC para responder ao vírus da zika. É possível, por exemplo, que haja problemas ocultos no cérebro que não se manifestem como microcefalia.

Na falta de uma vacina para a zika, as autoridades do setor de saúde pública estão tentando controlar os mosquitos transmissores do vírus. Elas estão fornecendo repelentes e, em alguns lugares, contraceptivos para mulheres em idade fértil. Surtos da doença foram registrados pela primeira vez em 42 países e territórios desde o ano passado, a maior parte na América Latina, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.

Autoridades da área de saúde e especialistas do Brasil dizem que a epidemia está chegando ao seu pico, com o número de casos de zika devendo diminuir nos próximos meses. Esta previsão é baseada na febre do dengue, que é transmitida pelo mesmo mosquito, o Aedes aegypti, e normalmente perde força em maio com a redução das temperaturas no Hemisfério Sul.

Ao norte do Equador, as autoridades dos EUA estão se preparando para uma possível propagação da zika neste verão, principalmente nos Estados do Golfo do México. Pelo menos 33 mulheres já foram infectadas no país. Algumas perderam os bebês e os fetos de outras desenvolveram anormalidades.

Autoridades da saúde dizem que grandes surtos são improváveis nos EUA por causa do uso disseminado do ar condicionado e de telas nas janelas, além do acompanhamento da doença. O CDC já registrou 388 casos de zika nos EUA e 503 nos territórios americanos, predominantemente em Porto Rico.

Autoridades da área de saúde receiam que o Brasil possa representar o começo de uma onda de bebês com defeitos congênitos na América Latina e no Caribe. A Colômbia começou a relatar casos e o vírus já se espalhou rapidamente do Paraguai ao México. Os países pobres são os mais preocupantes, devido à falta de serviços médicos avançados para mulheres grávidas, assim como de repelentes, telas para as janelas e outros tipos de proteção contra o mosquito.

O governo brasileiro se comprometeu em gastar 796 milhões de reais, cerca de US$ 225 milhões, para diagnosticar e tratar bebês com microcefalia. Organizações de saúde pública dizem que vão precisar de mais.

Numa pequena sala de terapia do Hospital Pedro I, em Campinha Grande, no centro da epidemia da zika, um fisioterapeuta colocou Nicolas Felipe de Oliveira de costas sobre um tapete verde e alongou suas pernas enrijecidas. Nicolas ainda podia levantar e movimentar um pouco a cabeça. Quando o fisioterapeuta o esticou sobre uma bola de exercício amarela grande, ele desandou a chorar. Nicolas, que tem cinco meses, agora levanta a cabeça e sorri, diz sua avó, Ivaneide Matias. Ele ainda chora com frequência.

Os médicos esperam que a estimulação logo no início minimize as deficiências, diz Rogério Gomes, coordenador do Instituto Bahiano de Reabilitação, em Salvador. Em março, o estabelecimento começou a oferecer terapia para estimular os bebês com zika por meio de técnicas empregadas com outras doenças.

Os terapeutas cantam músicas para os bebês e usam figuras contrastantes para cativar a atenção deles. Algumas crianças têm dificuldade para fazer contato visual, dizem os terapeutas. As sessões semanais duram cerca de 80 minutos, normalmente com três mães e seus bebês. Eles trabalham com uma equipe que inclui um psicólogo, um fisioterapeuta, uma terapeuta ocupacional e um terapeuta da fala. “Toda semana você vê progressos”, diz a terapeuta Elane Bahia Lemos. “Isso não significa que, de uma semana para a outra, eles serão capazes de levantar a cabeça. É um processo”.

Mantendo a esperança

Silvia Leandra de Jesus Pinheiro diz que a vida dela virou de pernas para o ar desde que sua filha, Geovanna, nasceu com microcefalia, em outubro. “Eu ainda estava na mesa do parto”, diz Pinheiro, quando soube, embora suspeitasse que houvesse algo errado. Ela tinha tido uma febre no sétimo mês da gravidez.

O geneticista Diego Miguel, que viu Geovanna no final de março, diz que está tratando seu caso como sendo relacionado ao vírus da zika porque a menina nasceu durante o surto e seus defeitos de nascimento se encaixam no padrão. A cabeça de Geovanna media 29,5 centímetros quando ela nasceu, dois centímetros abaixo do normal. Os ventrículos em seu cérebro são dilatados e ela tem lesões no lóbulo frontal, de segundo exames feitos no nascimento. Suas pernas são rígidas e ela mantém os punhos cerrados.

Pinheiro, que tem 33 anos e é professora do ensino fundamental, diz que pôde pedir demissão do trabalho para cuidar da filha em período integral porque o marido dela, um técnico de telefone celular, é dono de um pequeno negócio. Ela leva Geovanna à fisioterapia duas vezes por semana. Os médicos da menina dizem que Geovanna poderá ter problemas de fala e movimento.

“Eu sei que haverá atrasos”, diz ela, “mas minha esperança é que ela chegue lá, mesmo que seja depois das outras crianças de sua idade”.

Clicia Nunes Santos Ferreira, uma médica especializada em fisioterapia e reabilitação do Instituto Bahiano, diz que ela já havia tratado de dez casos de microcefalia ao longo de nove anos antes da epidemia de zika. “Há alguns que poderão se desenvolver, mas outros não”, diz ela. “Isso é tudo muito novo. Nós não sabemos o que será desta geração.”

Fonte: WSJ
Enviada por JC

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