* Sua concepção de felicidade mudou depois do filme?
Eu amaria morrer com um sorriso. Talvez a resposta para a felicidade seja aceitar o que você fez, o que você é e ter fé nas suas convicções. Porém, na prática, muitos deixam de realizar algo assim por se ater a afirmar o quanto esse algo é difícil de ser alcançado. Eu, por exemplo, demorei 15 anos para me tornar vegetariano, mesmo sabendo, muito antes, que esse era o meu desejo. Por que não tomei essa decisão mais rápido? Não sei. Talvez por achar que era difícil tomar a decisão. Só a ideia da transformação acabava por me travar.
*A humanidade caminha para um futuro de felicidade?
Não quero ser pessimista, mas é a primeira vez que o nosso futuro é incerto. Antes sabíamos se seria bom ou ruim. Hoje, é um mistério. E o pior é que temos a ciência de que a Terra pode não sobreviver aos nossos impactos, como a incessante emissão de gases de efeito estufa pelo homem, mas não fazemos muito para mudar. Quando nasci, éramos 2 bilhões os seres humanos. Agora, somos 7 bilhões. Por um lado é incrível e isso só pôde acontecer porque avançamos em alguns sentidos, diminuindo a mortalidade, por exemplo. Por outro lado, ainda lutamos como na Idade Média. Veja a situação da Palestina e de Israel, ou a da Síria. E não é só o outro que está fazendo isso, sou eu mesmo. A humanidade é parte de todo esse sofrimento e eu fico tentando entender o porquê de tanto ódio.
* Para entender isso é que o senhor entrevistou também terroristas, assim como com suas vítimas, no filme?
É difícil de compreender o ódio quando você não o tem na sua vida. Eu sou sortudo, não o tenho. O ódio faz com que você não pense, com que feche seus olhos, seu cérebro e seu coração. Nesse caminho, todo mundo pode se tornar sua pior versão. Olhe para o que ocorreu na Alemanha, na Ruanda, no Camboja… de repente tudo muda e você pode estar matando seu vizinho. A humanidade tem que entender isso para compreender o outro. No filme, temos veteranos de guerra que falam que adoram matar. Assustado com isso? O fato é que há um sentimento assim dentro de todos nós.
Vivemos em um cenário político complicado no Brasil e as opiniões estão bastante polarizadas. O senhor acredita que a nossa sociedade, como um todo, está desenvolvendo opiniões cada vez mais radicais? Isso é um impedimento na busca pela felicidade?
Acontece a mesma coisa na França. A democracia traz o melhor e o pior de uma sociedade. Nós temos o governo que merecemos. Essa política que odiamos é um reflexo de nós mesmos. Aceitamos a corrupção e tantas outras coisas erradas. Contudo, não lidamos com quem pensa de forma diferente. Em relação ao Brasil, admito que fiquei muito surpreso com a Dilma envolvida nesses escândalos porque sempre a julguei como uma boa pessoa. E todo esse processo de tirar um presidente não é nada bom para um país.
O que o senhor acha do rumo que a política está trilhando no mundo?
* Tenho 70 anos e preciso aceitar algumas coisas com as quais não concordo. Afinal, a realidade é que já não possuo muito tempo para curtir esse mundo e continuar no combate. Entretanto, minha mensagem é a de que precisamos de jovens na política, de pessoas com convicção e idealismo e, principalmente, com ética para nos representar.
O senhor menciona que teve que fazer algumas escolhas políticas no filme. Quais foram elas?
Inevitável. Quando se fala sobre temas como pobreza, é necessário explicar o porquê dela existir, o porquê de hoje 70% das pessoas mais pobres serem agricultores, o porquê dessa lacuna entre ricos e pobres. Ou por que existe homofobia. Eu não poderia deixar de abordar essas e outras questões que são, fundamentalmente, políticas.
A entrevista com o José Mujica tem algo a ver com essa escolha política?
Eu o conheço há muito tempo e queria que ele participasse do filme. Também queria o Bill Gates e consegui, mas não foi tão bom para o que eu pretendia. Eu acho incrível o que ele, o Gates, faz, de dar todo esse dinheiro para causas sociais, mas é muito difícil para essas pessoas públicas dizerem algo do coração. Com o Ban Ki-moon foi a mesma coisa. Eu admiro muito os dois, mas eles raramente falam algo realmente sincero em entrevistas. Com o Mujica é diferente, o discurso dele é muito forte e verdadeiro. Ele continua vivendo em uma pequena fazenda, tem um carro barato… isso nos faz acreditar nesse cara. É incrível encontrar pessoas assim e poder usá-las no filme.
O documentário aborda ainda a crise dos refugiados. Como o senhor avalia a forma como o mundo está lidando com isso?
Quem vive no Sudão, na Eritreia e na Etiópia, não tem escolha. Eles não têm trabalho, educação e nem futuro. Essa crise vai mudar completamente a nossa civilização, principalmente na Europa. É impossível pará-la, já que a causa está no país de origem dessas pessoas. Eu não tenho a solução, mas acho que a decisão da Merkel (Angela Merkel, chanceler alemã) de abrir as portas de seu país foi incrível. Mesmo que isso venha a ter custos para os locais.
Por que o senhor optou por realizar a maior parte das imagens pelo ponto de vista aéreo?
Quando se sobrevoa um país, entende-se melhor sua distribuição, como onde se localizam as áreas pobres e as ricas. Trata-se de uma maneira de visualizar as reais disparidades de uma nação. Além disso, amo admirar a geografia, as cores, as construções. Quis transmitir isso ao espectador.
É para alimentar o ego, também, que o senhor faz esse tipo de trabalho?
É uma mistura de ego com vontade de deixar algo relevante para o mundo. Nas últimas cenas do filme tem um garoto do Congo que vive nas ruas da capital de Kinshasa e diz algo muito bonito. Perguntamos a ele qual é o sentido da vida. A resposta: ele tem certeza que Deus reservou uma missão a ele, só faltava encontrá-la. Esse era o sentido da vida para o menino. E acho que ele está completamente certo. Todos temos uma missão no planeta, que se resume a melhorar o planeta em que vivemos. Você pode fazer isso sendo um arquiteto, um motorista de táxi… o importante é que se essa é a sua missão, faça-a bem e com felicidade. Talvez a minha seja criar filmes. Sou muito sortudo por ter esse trabalho.
É assim que se alcança a felicidade, tornando-se parte de algo importante para a humanidade?
Estamos todos procurando a tal felicidade. Eu amaria ser feliz com o que tenho e com o que construí, mas não posso dizer que sou o tempo todo alegre. E tenho que aceitar isso. Acho que procurar pela felicidade e acreditar que ela existe é o que nos faz seguir em frente.
O filme fala muito sobre o amor. Não é clichê recorrer ao amor como a ferramenta que salvará o mundo?
A realidade é que é difícil para o ser humano aceitar que tem que amar o diferente. Mesmo que isso seja óbvio. Temos que colocar o bem da humanidade acima dos nossos medos de perder, por exemplo, o emprego e o conforto. As pessoas mais felizes que entrevistei eram as mais pobres, aquelas que tinham pouco e não tinham medo de perder o que tinham e, por isso, dividiam o que conseguiram. A felicidade realmente parece vir das coisas mais simples, a meu ver.
Fonte: Veja