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Antologia Fantástica da Literatura Antiga

Se você cortar o chifre de um unicórnio indiano, transformá-lo em um copo e beber dele, sua saúde vai ficar uma maravilha. Deixa-se de sentir dor. É possível atravessar uma casa em chamas sem se ferir. Os venenos que matariam qualquer outro não funcionarão com você.  Pelo menos é o que jura o sofista grego Filostrato, em seu "A Vida de Apolônio de Tiana", ao descrever tais seres e outras criaturas fantásticas. Também está lá a fênix, ave que, em um ninho de incenso, ateia fogo a si mesma. E sábios indianos que levitam para fazer preces ao sol. Histórias como essas, reunidas na "Antologia Fantástica da Literatura Antiga", organizada pelo diplomata Marcelo Cid, compõem um país das maravilhas – só que de tempos remotos.

Com centenas de excertos, reunidos desde 1995, o livro traz histórias fantásticas que começam com Homero e chegam até santo Agostinho (354-430), tratado pelo organizador como "o último dos antigos".

É o santo católico, aliás, que garante ter visto em uma praia o dente de um gigante, no qual caberiam centenas de dentes humanos. "Plínio, o Velho, homem de grande erudição, declara que, conforme envelhece o mundo, a natureza produz seres mais pequenos", escreve o autor em "Cidade de Deus".

"Literatura antiga é um conceito difícil de definir. Fiquei na dúvida se botaria autores cristãos, mas fiquei em santo Agostinho. Ele diz que gostava muito da 'Odisseia', mas dizia ter dúvidas se deveria lê-la, por ser uma leitura pagã", diz Marcelo Cid.

A amplitude da coleção é de fôlego -e pode fazer lembrar "Mar de Histórias", antologia do conto mundial publicada em 1986 por Paulo Rónai e Aurélio Buarque de Hollanda, em 11 volumes.

O leitor mais atento pode argumentar que muitas das histórias reunidas na verdade são mitos -como quando Platão conta, em "O Banquete", a história do terceiro sexo, uma fusão de homem e mulher, que teria sido separado pelos deuses.

Na antologia, porém, Cid se apoia em um ensaio de Jorge Luis Borges, "Kafka e Seus Precursores" (1952), no qual o argentino afirma que um escritor "cria" os autores que o antecederam em determinado estilo ou gênero.

CASA MAL-ASSOMBRADA

"A literatura fantástica como a encaramos hoje é produto do século 19. Mas, quando sabemos que características buscar, podemos encontrá-las em vários lugares. A literatura fantástica nasceu, assim, mais num modo de leitura do que num modo de escrever", afirma Cid, que vê traços borgianos em muitos dos textos reunidos. 

De fato, surgem histórias que, se escritas hoje, seriam consideradas até clichês, como a de uma casa assombrada em Atenas: não apenas tem um fantasma, mas ele ainda aterroriza os visitantes arrastando correntes.

Mas a antologia reúne imagens de elevada poesia: o imperador raivoso que mandou castigar o mar com chibatadas, uma ilha onde os homens têm pés de cavalo, trogloditas que se alimentam da carne das serpentes.

Um dos destaques são os trechos da "Onirocrítica", do adivinho grego Artemidoro, que viveu no século 2 e escreveu um dos mais antigos manuais de interpretação dos sonhos de que se tem notícia.

É com ele que aprendemos que cada sonho tem significado diferente a depender do sonhador. Sonhar que se come um livro, por exemplo, só é ótimo para os professores. Para todos os outros, é o anúncio da própria morte.

LÍNGUA MORTA

Cônsul-adjunto do Brasil em Hong Kong, Cid começou a reunir as histórias ao estudar latim, em 1995 –à época, porém, não pensava em reuni-las em livro. Muitas saíram de sua própria coleção, mas foi preciso também fazer pesquisas em bibliotecas.

Desde que estudou latim, Cid viu a literatura produzida na Antiguidade Clássica perder espaço entre os leitores mais jovens.

"Acho que isso tem a ver com o fim do ensino do latim nas escolas. A geração que ensinava a língua continuou publicando e traduzindo até os anos 1970. Depois foram sumindo, e não houve substituição. Hoje o latim voltou para a universidade", diz o antologista.

ANTOLOGIA FANTÁSTICA DA LITERATURA ANTIGA
ORGANIZADOR Marcelo Cid
TRADUTOR vários
EDITORA Ateliê Editorial

Onde encontrar:
Livraria Nova Aliança
Rua Olavo Bilac, 1258 - Centro, Teresina - PI,
(86) 3221-6793 
livrarianovaalianca@hotmail.com

Fonte: Folha de S. Paulo

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