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Polêmica traz à tona debate sobre radicalismo alimentar

A polêmica recente em que a apresentadora de programas de culinária e diretora do site Panelinha, Rita Lobo, se envolveu após alfinetar um seguidor do Twitter que lhe perguntou por que não ensinava a fazer maionese com óleo de coco e iogurte expôs um comportamento que vem crescendo entre os jovens, mas não só entre eles: o radicalismo alimentar. A apresentadora, que em parceria com Carlos Monteiro, coordenador do "Guia Alimentar para a População Brasileira", ensina princípios da alimentação saudável no YouTube, foi procurada, mas não quis comentar o ocorrido. A resposta de Rita, alvo tanto de críticas quanto de apoio nas redes sociais, foi direta:

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Enquanto Rita defende o uso de ingredientes frescos na cozinha, sem os conservantes e aditivos dos alimentos ultraprocessados, modismos como a exclusão da dieta de itens como o glúten (presente na farinha de trigo) e a lactose (leite) e a substituição de ingredientes tradicionais por novos alimentos, vistos como milagrosos, vêm sendo considerados o caminho mais curto para alcançar o ideal de boa forma e saúde.

A questão vem tomando tamanha proporção que, segundo especialistas, a obsessão pelos benefícios nutricionais pode mesmo ser considerada um distúrbio alimentar. "As pessoas estão com medo da comida normal", diagnostica o nutrólogo Fábio Ancona Lopes. Esse exagero evidente, nas palavras do médico, tem até nome: ortorexia. "É como se a comida não fosse mais alimento, ela é vista só como nutriente."

Por trás do problema está o marketing da indústria de alimentos, que vende produtos do dia a dia com ênfase em características que supostamente os tornam especiais ou melhores que os outros –como a coalhada cujo rótulo destaca a ausência de lactose, para ficar em um exemplo citado por Ancona Lopes.

A verdade é que não só todas as coalhadas são livres de lactose como esse composto presente no leite de vaca deve ser evitado apenas por pessoas que sentem desconforto gástrico ao consumir a bebida. O nutrólogo Celso Cukier, diretor do Instituto de Metabolismo e Nutrição, pondera que há um lado positivo na preocupação com o que vai à mesa: a procura por uma qualidade de vida melhor.

"O grande problema está na desinformação trazida pela propaganda. Produtos são lançados como se fossem a salvação contra a má alimentação, a falta de exercício, o estresse, o excesso de trabalho, a poluição do ar", afirma.

Adepto das dietas da moda, Thiago Mancini, 27, reconhece que o desejo de manter o corpo sarado o leva a seguir a maré sem ter informação suficiente sobre riscos e benefícios. "E eu sou publicitário, sei que muita coisa que falam dos alimentos é só para vender. Mas na minha rotina não tenho tempo de analisar tudo direito e acabo experimentando o que estão falando", justifica.

Thiago conta que, por influência de amigos e blogueiros, já provou de tudo um pouco. "Cortei carboidratos à noite, investi em gengibre, pimenta e canela para acelerar o metabolismo, entrei no boom das castanhas. Não sei por que razão, depois resolvi comprar tudo sem lactose, e depois fui para o pão e o macarrão sem glúten."

Cristina Raggi, 53, é outra "testadora" de modas, como ela mesma se define. "Se falam que café faz mal, eu paro de tomar, se falam que faz bem, eu começo a tomar de novo", ri. Cristina diz que, depois de tentar diversas dietas, tornou-se vegana e eliminou o açúcar e a farinha do cardápio. "Como o vegano não come nada de origem animal, eu controlo o peso porque deixei de comer doce de leite, pão de queijo etc. Ficou mais fácil", acredita. Para os especialistas, não há mal em fazer algumas substituições, mas também não há necessidade, a não ser em casos específicos de intolerância ou alergia a algum componente.

"A Bela Gil faz receitas para quem tem distúrbio alimentar: é maionese com iogurte, macarrão de arroz, bife sem carne", afirma Ancona Lopes, citando a apresentadora de programas de culinária que virou "meme" (piada) nas redes sociais por sugerir substituições de ingredientes que tornariam os pratos supostamente mais saudáveis. Bela Gil foi procurada, mas não deu entrevista à Folha.

De acordo com Cukier, até profissionais vêm indicando indiscriminadamente a exclusão de alimentos com glúten e lactose da dieta. "Isso é muito grave", afirma.

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ARROZ E FEIJÃO

A boa notícia é que a base da alimentação saudável continua sendo o bom e velho cardápio da vovó. Trata-se do arroz, feijão, legumes e salada com alguma proteína que era a base da comida brasileira e vem perdendo terreno para refeições rápidas fora de casa e disputando espaço com coisas que até outro dia ninguém conhecia, como goji berry e óleo de coco. Segundo Ancona Lopes, tudo é liberado dentro de uma dieta balanceada. "O que interessa não é o nutriente e nem mesmo o alimento, mas o equilíbrio entre eles."

A proporção adequada, ensina, é metade de carboidratos –principalmente os complexos, como massa, farinha, arroz e batata, e uma parte dos simples, como o açúcar–, 30% de gorduras e 20% de proteínas no dia a dia.

Para Cukier, essa busca por benefícios de curto prazo é uma "miopia de saúde". "O importante é pensar como estarei daqui a dez anos", afirma. Para que os efeitos positivos sejam duradouros, o nutrólogo recomenda uma dieta com três a seis porções de vegetais por dia e pouca comida rica em gordura, industrializada ou de origem animal. "O grande problema é o exagero. Não é a maionese com ovo que se come eventualmente que faz mal. Ela tem alta densidade calórica, mas uma vez por mês não faz diferença", conclui Cukier.

Fonte: Folha

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