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Pesquisa mostra que, se manequins fossem humanos, seriam pessoas doentes

Uma roupa linda repousa sobre um manequim na vitrine, você vê e decide experimentá-la.  Quando chega ao provador, veste a peça, enquanto pensa: será que vai ficar boa? Na maioria das vezes, não. Daí em diante, questionamentos sobre sua própria aparência vêm à tona. O acontecimento é tão corriqueiro que, talvez, grande parte das pessoas não perceba sua gravidade. Porém, uma pesquisa recente publicada no “Journal of Eating Disorders”, periódico científico que trata de transtornos alimentares, traz um dado que evidencia quão preocupante é o padrão estabelecido pela moda: corpos de manequins femininos em lojas de roupas são “irreais” e, se as pessoas tivessem as mesmas medidas, seriam consideradas “medicamente não saudáveis”.

Especialistas relatam que o padrão disposto nas vitrines induz quadros psicológicos danosos, principalmente nas mulheres, e perpetuam um parâmetro inalcançável. Para desenvolver o estudo, a ideia original era entrar em lojas de redes nacionais de varejo nas cidades britânicas de Coventry e Liverpool e medir fisicamente os manequins — mas nenhuma empresa permitiu que os cientistas tirassem essas medidas. Sendo assim, a equipe decidiu partir para uma análise visual dos tamanhos dos manequins.

— Não encontramos um único manequim feminino que tivesse o tamanho normal de um corpo — conta Eric Robinson, médico da Universidade de Liverpool e autor do estudo — Existe uma evidência clara de que o ideal (de um corpo) ultrafino está contribuindo para o desenvolvimento de problemas de saúde mental e transtornos alimentares.

Os resultados revelaram que 100% dos manequins femininos avaliados apresentaram tamanhos abaixo do peso ideal, que na vida real indicariam desnutrição. No caso dos homens, apenas 8% dos manequins masculinos eram uma representação de um corpo abaixo do peso. Os bonecos masculinos tendiam a ser mais musculosos que a maioria dos homens reais. A conclusão foi possível comparando a estrutura dos bonecos com duas escalas: uma de tamanho baseada no Índice de Massa Corporal (IMC) — na qual há, entre outros parâmetros, dez figuras padronizadas de pessoas com IMC conhecido — e uma de contorno de faces, na qual os desenhos variam de extremamente magro a gordo.

Estética

— É difícil chegar no padrão capa de revista. Com o mundo virtual, esse padrão ficou pior e criou proporções incontroláveis. Há mais de um milhão de páginas on-line das chamadas “Anas” e “Mias”, meninas que incentivam a anorexia e bulimia. No Brasil, a questão é ainda pior. Em um país tropical, onde a exposição do corpo é muito maior, a cobrança é enorme — avalia a professora do Mackenzie e doutora em Comunicação e Semiótica, Selma Felerico.

Evidências do culto exagerado ao corpo presente no Brasil podem ser identificadas em dados como os disponibilizados pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética (Isaps, na sigla em inglês). Segundo levantamento feito pela instituição, divulgado em 2016, o país é o segundo no ranking mundial de cirurgias plásticas, perdendo somente para os Estados Unidos. Em 2015, período analisado pela Isaps, foram realizados 1,22 milhão de procedimentos.

A lista de fatores que levam a uma visão distorcida sobre o que seria o corpo ideal é ampla. De parâmetros propagados por produtos culturais, como filmes, revistas e novelas a cobranças exageradas dentro de casa podem contribuir para uma relação conflituosa entre as mulheres e seus corpos. Especialistas chamam atenção para o fato de que tal exigência aparece logo cedo e pode causar transtornos.

— As disfunções alimentares surgem exatamente dessa cobrança que, geralmente, começa na infância e na adolescência quando o olhar dos pais já aparece com essa demanda. A jovem cresce acreditando que, para ser bonita e reconhecida pelo outro, precisa estar naquele padrão — analisa a psicóloga e fundadora da Solace Institute, Paula Emerick. — A preocupação com os manequins é porque eles trazem medidas anoréxicas e causam frustração na mulher. Ela tenta se vestir e quer que a roupa tenha o caimento que viu ali, e se não tem, ela confirma no cérebro que não tem um corpo que preste.

Legislação para coibir excessos

Atentos aos abusos cometidos, principalmente em relação ao corpo feminino, alguns países têm desenvolvido maneiras de regulamentar esse mercado. Ontem, a França decidiu adotar regras que obrigam a menção “fotografia retocada” nas imagens de uso comercial que modificam a silhueta das modelos. Além disso, as top models deverão ter certificado médico para exercer a profissão. O documento terá validade de dois anos e deve atestar que “o estado de saúde global da pessoa (...), avaliado por meio de seu índice de massa corporal, permite que exerça a atividade de modelo”. As leis foram publicadas, ontem, no Diário Oficial do país. O governo francês afirma que a legislação é uma tentativa de “prevenir os transtornos de comportamento alimentar”, sobretudo entre os jovens.

Iniciativa parecida já havia sido colocada em prática em outros lugares. Em 2016, Madri, na Espanha, foi a primeira capital europeia a proibir que modelos com índice de massa corporal (IMC, calculado a partir da divisão do peso do indivíduo pela sua altura ao quadrado) inferior a 18 exercessem a profissão. De acordo com os parâmetros da Organização Mundial de Saúde (OMS), um índice entre 17 e 18,5 é classificado como “magreza leve”, enquanto entre 16 e 17 é considerado como “magreza moderada”, e de 16 para baixo, “magreza severa”. Na Itália e na Bélgica também há regulações parecidas com as da França.

Na opinião de Giane Moliari, diretora da Escola de Nutrição da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e doutora pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, a crueldade dos padrões de beleza está a serviço, principalmente, da criação de novos nichos de mercado:

— Na sociedade de consumo, o corpo também acaba virando mercadoria. O que antes era tamanho P, hoje é tamanho G. Os manequins e as medidas de roupa estimulam mais um modelo, e isso faz com que as pessoas percam sua individualidade. Esse padrão gera consumo de alimentos light, e modismos que podem ser prejudiciais, como a falta de glúten para pessoas que não são celíacas. Com isso, há aumento no índice de transtornos alimentares e cria-se um nicho de mercado impulsionado pela busca desse corpo esguio e perfeito.

Apesar da vigilância extrema sobre a estrutura corporal feminina, a ativista Schuma Shumaher, coordenadora da Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh), aposta na evolução de conceitos e enxerga uma representação maior de outros tipos de corpos na sociedade.

— Estamos falando de mudanças culturais, que são mais demoradas. Portanto, esse tema precisa ser abordado incessantemente. Enquanto pessoas acostumadas com um padrão de beleza veem outro, como o das plus size, e têm uma reação negativa, muitas outras pessoas olham ali um espelho e passam a se ver positivamente. Temos de abraçar a diversidade física e estética — acredita.

Fonte: O Globo

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