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O desafiador equilíbrio entre genialidade e empreendedorismo

Uma das grandes dificuldades que muitas pessoas com características de genialidade apresentam é como empresariar suas ideias e criatividade obtendo apoio e comprometimento de terceiros. Essas situações ocorrem com bastante frequência com publicitários, artistas, arquitetos, advogados, consultores e outras tantas atividades onde a origem do empreendimento está apoiada na característica e talento pessoal do idealizador. Vale a pena refletir sobre o tema em duas perspectivas. A primeira refere-se à dificuldade que essas pessoas apresentam para criar, manter e administrar equipes de trabalho motivadas ao seu redor. A segunda questão é quais habilidades devem possuir profissionais que optam por trabalhar com pessoas que apresentam características de genialidade e, por essa mesma razão, tornam-se “estrelas”, e não permitem que outros brilhem ao seu redor. Uma referência interessante é registrada no livro do jornalista norte-americano Ken Auletta, “World War 3.0: Microsoft and Its Enemies”, onde relaciona o sucesso de Bill Gates à uma loucura perigosa. Diz Ken que “Bill Gates é tão rico quanto louco, brilhante e arrogante. Seu estilo e o de sua companhia são napoleônicos”.

O livro trata da disputa entre a Microsoft e a justiça americana, evento que se arrasta por anos. “Gates questionava a lei, bradando que software não é petróleo e que estavam tratando o caso como a máfia de Al Capone. A verdade é que, em uma democracia, ninguém está acima da lei”, afirma Ken. E curiosamente esta descrição de Bill Gates não difere muito das conclusões de outro livro lançado na Inglaterra. “Strong Imagination”, do antropólogo Daniel Nettle, estabelece algumas relações práticas entre genialidade e loucura. Com base num estudo com mais de mil pessoas que tiveram grande sucesso em suas carreiras, o cientista Arnold Ludwig concluiu que 59% delas alguma vez sofreram problemas psiquiátricos. 

Embora o estudo tenha se concentrado fortemente em atividades de cunho mais artístico, algumas observações podem ser ampliadas para pessoas que desenvolvem características que abrem caminho para o sucesso ao mesmo tempo em que as tornam diferentes dos demais. Muitos observados. Segundo Nettle, “existe muito mais do que uma simples relação entre o talento artístico e os desarranjos do cérebro. Eles possuem a mesma fonte e até mesmo dependem um do outro para existir. A loucura e uma criatividade superior são os dois gumes de uma mesma faca”.

Esses processos se refletem, por exemplo, na capacidade de pensar diferente das outras pessoas, que é característica de ambos casos — loucura e genialidade. Ele conclui dizendo que “tendo a criatividade a mesma origem da loucura, ela representa uma notável vantagem competitiva”.

Para melhor compreendermos este quadro na perspectiva de alguém que consegue empresariar sua genialidade e conhecimento devemos voltar ao que diz Auletta sobre Bill Gates. “Quando se tem um contato pessoal com Bill Gates é impossível não perceber alguns maneirismos. Ele fica totalmente focado na entrevista (e não no entrevistado). Por exemplo, ele é capaz de buscar para si um copo de água e não oferecer ao seu interlocutor. Os amigos dizem que isso é pura concentração, os inimigos, insensibilidade e anti-sociabilidade. Desconfio que ambos estão corretos,” conclui ironicamente.

Todas essas observações, quando transportadas para o mundo empresarial, colocam algumas reflexões importantes para empreendedores que se caracterizam pelo seu lado criativo, inovador e desafiador do “status quo”. Eles necessitam desenvolver alguma habilidade mínima de conseguir dar sua atenção aos outros. Sejam estes “outros” seus clientes, fornecedores ou colaboradores.

O que pode ser útil em situações dessa natureza é que tanto as sociedades como as equipes de trabalho devem estar baseadas em três pontos: complementaridade, confiança e respeito mútuo. Para o empreendedor criativo e sem muita capacidade de organizar sua energia, torna-se interessante ter ao seu lado alguém que possa cuidar da gestão administrativa, financeira e comercial do seu empreendimento.

Isso é ainda mais produtivo quando ocorre de forma complementar, sem criar qualquer sentimento de competitividade. A confiança é um processo de construção permanente. Enganam-se aqueles que imaginam ser essa uma relação estática. É vital, para qualquer relacionamento saudável, a necessidade de ser revitalizada constantemente.

Finalmente, o respeito mútuo vai permitir que haja valorização de ambos os lados da relação. A genialidade do “criador” precisa ter na sua figura complementar o mesmo apreço e respeito que os clientes emprestam aos produtos ou serviços oferecidos pelo autor do empreendimento.

Renato Bernhoeft é fundador e presidente do conselho de sócios da höft consultoria.
Fonte: Valor

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