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Afinal, onde mora a consciência?

Afinal, onde mora a consciência? Na Grécia homérica de 800 a.C., o conceito de mente não existia, mas as emoções eram representadas como ativação dos órgãos internos. Os pensamentos se ancoravam no espaço neural responsável pela representação dos pulmões, coração, estômago... Eram entranhados e profundos esses primeiros pensamentos. Quatro séculos depois, Aristóteles entregava ao cérebro o papel de resfriar o sangue, atribuindo ao coração os sentidos e movimentos.

Hoje em dia, a maior parte das pessoas diria que a consciência fica no cérebro. Aficionados da neurociência destacam o papel de certas regiões cerebrais, focando a interação de circuitos específicos, como o hipocampo e o córtex pré-frontal. Os bem-informados sabem que a consciência depende do espalhamento de atividade elétrica por todo o córtex, para além de modalidades sensoriais específicas.

Os mais holistas avançam a ideia de que não faz sentido limitar tais processos ao cérebro, pois suas ramificações sensoriais e motoras fazem do corpo uma extensão palpável da consciência. No limite incorporamos tudo que vemos, ouvimos e sentimos, transformando objetos distantes em íntimas impressões do mundo, nossas preciosas memórias.

Surpreendentemente, os microbiologistas dizem que tudo isso ainda é pouco. Para entender a consciência seria preciso considerar não apenas o efeito simbólico de outros seres em nossa mente, mas os efeitos psicobiológicos da coleção de bactérias, leveduras, protozoários e vírus que compõem nossa microbiota.

Estima-se que uma pessoa normal tenha até três vezes mais micróbios do que células do próprio corpo. Desequilíbrios na microbiota estão relacionados a doenças cardiovasculares, síndrome do intestino irritável, doença inflamatória intestinal, artrite reumatoide, câncer colorrretal e diabetes. O tradicional chá amarelo chinês, feito com fezes de pessoas saudáveis, era receitado há 1.700 anos para tratar diarreia. Hoje a fronteira da medicina descobre o poder terapêutico dos transplantes fecais em casos de graves infecções bacterianas, refratárias a antibióticos. Estudos recentes sugerem que o mesmo pode funcionar para tratar obesidade. Somos o que comemos...

É importante lembrar que os microrganismos no lúmen intestinal influenciam a síntese e liberação da serotonina por células enterais. Dependendo do tipo de receptor encontrado, a serotonina pode promover inflamação ou anti-inflamação, regulando por exemplo o metabolismo sanguíneo e ósseo. Até mesmo doenças como depressão e autismo parecem sofrer influência da microbiota, que se configura como uma via de mão dupla para a modificação do humor e das interações sociais.

O sistema nervoso entérico nas paredes do canal alimentar contém cerca de 500 milhões de neurônios, utiliza mais de 30 neurotransmissores e envia muito mais projeções para o cérebro do que as que recebe. Esse sistema nos permite sentir eventos digestivos e tem um efeito poderoso sobre o cérebro. Embora ali não ocorra a tomada de decisões ou o planejamento de ações, tais processos sofrem fortes efeitos entéricos.

Quase toda a serotonina do corpo é encontrada nas vísceras, o que explica a conexão entre emoções fortes e revulsões gastrointestinais. Para coisas muito desagradáveis, “não temos estômago”. A ingestão de algo impróprio para ser moído, corroído e absorvido manda sinais persistentes para o cérebro que são muito difíceis de abstrair.

Ser introspectivo não significa necessariamente enfezar-se. Um pouco de atenção para si, um módico de consciência dos órgãos internos, talvez seja a condição mesma da reflexão. Sentado no trono, o pensador de Rodin contempla a obra. Já dizia Álvaro de Campos: A metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Fonte: Mente e Cérebro

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