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Megalópole apresenta a China versão 2.0

Olhando do alto, da janela do avião, já se tem um aperitivo da frenética urbanização chinesa: dezenas de gruas acopladas a arranha-céus brotam numa das regiões mais prósperas do planeta. Em solo, carros trafegam por vias elevadas e trens de alta velocidade rasgam a megalópole. Mas é de barco, em frente ao delta do Rio das Pérolas, que surge a visão mais impressionante: uma ponte de 55 quilômetros, equivalente a mais de quatro vezes a extensão da Rio-Niterói, com duas ilhas artificiais no meio do caminho e um "mergulho" nas águas da baía que converte a pista em 6,7 quilômetros de túneis submersos para não atrapalhar o fluxo constante dos navios de carga.

Em fase final de obras, a ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau tem inauguração prevista para 2018 e é apresentada pelos chineses como símbolo da Nova Rota da Seda, iniciativa lançada pelo presidente Xi Jinping para recriar um corredor econômico-comercial ligando o Oriente e o Ocidente com investimentos multibilionários em infraestrutura logística.

Segundo engenheiros da estatal China Bridge, responsável pela obra, o custo estimado da ponte é da ordem de US$ 15 bilhões. O governo não divulgou dados oficiais.

Na Idade Média, caravanas em camelos atravessavam a Eurásia e desbravadores marítimos levavam suas mercadorias em busca de mais comércio entre as duas civilizações. Embora a história seja o melhor mestre, como gosta de dizer o presidente chinês, Xi Jinping, não é preciso ir tão longe para estabelecer comparações.

No fim dos anos 70, quando Deng Xiaoping conduziu um processo de abertura econômica na China, essa região do país estava travada no passado. A província de Guangdong (Cantão) era a maior fonte de imigrantes chineses espalhados no mundo. Shenzhen - hoje uma de suas cidades mais importantes, convertida em meca da eletrônica e da inovação na Ásia, com prédios modernos e grandes parques - sequer existia, era uma vila de pescadores miseráveis. Até os enclaves ocidentais de Hong Kong e Macau, antes nas mãos de Reino Unido e Portugal, respectivamente, passam por uma onda de transformação e prosperidade.

Na mesma época em que Deng se engajava nos planos de reforma, aparecia o conceito das zonas econômicas especiais - com portas abertas aos investimentos estrangeiros, sistema de tributação mais relaxado, foco grande em produtividade. Guangdong logo tornou-se um dos maiores polos mundiais da indústria intensiva e coração do sonho chinês. Há 28 anos seguidos tem o maior PIB do país e continua com ritmo de crescimento acima da média nacional - 12% ao ano na última década.

Assim, se a China virou o grande motor da economia global, pode-se dizer que essa região é o "motor do motor". De acordo com o Banco Mundial, quando somadas as duas áreas administrativas especiais (Hong Kong e Macau) à província cantonesa, o Delta do Rio das Pérolas já ultrapassou Tóquio e Nova York como maior conglomerado urbano do planeta. Tanto em termos de população como em riqueza. Se fosse um país independente, teria mais habitantes que Argentina ou Austrália, e um Produto Interno Bruto superior ao da Rússia.

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"Temos menos de 2% do território chinês e só 5% da população total, mas mais de 10% do PIB e um quarto de todo o comércio exterior do país", resume o vice-diretor do escritório cantonês de relações internacionais, Luo Jun. Na China, além do ufanismo, há uma obsessão por capitalizar números e resultados: talvez traduza o modo como cada província busca chamar a atenção de Pequim e como seus funcionários ascendem na estrutura do Partido Comunista.

A expansão da infraestrutura teve papel decisivo na manutenção do forte crescimento econômico da região, bem como na criação de um cenário de pós-modernidade. Desde 2012, a rede de rodovias triplicou em Guangdong e quase 1,5 mil quilômetros de linhas ferroviárias de alta velocidade entraram em operação. Onze de suas 21 cidades têm metrô. O parque gerador de energia, com 140 mil megawatts, é maior do que toda a capacidade instalada no Brasil - mas, em linha com o recente compromisso chinês de trabalhar para conter emissões de gases-estufa, a geração fotovoltaica aumentou nove vezes nos últimos cinco anos.

No entanto, mesmo com todo o cuidado para não questionar diretrizes fixadas pelo Partido Comunista, o próprio Luo Jun reconhece a necessidade de ajustes no modelo para preservar o vigor do crescimento: "Depois de quase 40 anos de reformas e de abertura, o desenvolvimento da província se encontra em um novo ponto de partida".

Parte da resposta está na Nova Rota da Seda e no uso de Guangdong como ligação Ocidente-Oriente. "Queremos ser o grande hub do comércio internacional", diz Zhu Qingqiao, vice-prefeito de Zhuhai, cidade que tem quatro aeroportos internacionais e cinco portos de águas profundas em um raio de 100 quilômetros.

Ele faz questão de acrescentar que o conceito de livre comércio está bem assimilado e continuará prevalecendo: os investimentos de fora recebem "tratamento nacional" por lei e a abertura para o capital estrangeiro é feita com base em "lista negativa" - ou seja, não há restrições a princípio, a não ser para setores especificamente apontados como sujeitos à regulação. É uma postura menos protecionista do que as chamadas "listas positivas", nas quais tudo está fechado e setores com alguma flexibilização precisam ser designados.

Ergue-se, no delta, o que alguns especialistas já chamam de "China 2.0". Cosmopolita: a capital da província, Guangzhou, hoje tem uma vibrante comunidade de 300 mil africanos desafiando a barreira do idioma e correndo atrás do sonho chinês. Sem as amarras do Estado: 62% dos investimentos feitos atualmente em Guangdong são privados. Inovadora: já não se veem chaminés com fumaça saindo de fábricas pesadas, mas prospera uma dinâmica indústria de alta tecnologia. Cerca de 2,5% do PIB local é direcionado para pesquisa e desenvolvimento científico - quase o mesmo nível da Alemanha.

Esqueça a China que rouba empregos, copia tudo, desconhece a propriedade intelectual. Na Gree, que fabrica um em cada três aparelhos de ar-condicionado vendidos no mundo, 8% do faturamento é dedicado à pesquisa. A empresa tem mais de 700 laboratórios de inovação e acumula 27 mil patentes registradas. "São 20 novos pedidos por dia", conta Zezhou Yang, da área de vendas internacionais, durante uma visita à sede de arquitetura futurística em Zhuhai.

Curiosamente, como em muitas línguas ocidentais, os chineses também usam com frequência a expressão "tempo é dinheiro"; a diferença é que, em mandarim e em cantonês, ela vem sempre com um complemento: "eficiência é vida". Frase que resume a nova China 2.0.


Fonte: Valor
Enviada por JC

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