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O poder das histórias contadas por quem está na empresa

Decifrar o futuro dos negócios é hoje um dos maiores desafios de empresas ao redor do mundo. Para o consultor e pesquisador britânico Dave Snowden, entretanto, a nossa atenção deveria estar mais voltada para entender o presente. Em tempos da supervalorização da inteligência artificial movida a dados, ele defende que a fonte de informações mais importante para as organizações são as histórias contadas pelas pessoas que fazem parte dela.

Snowden foi diretor da área de gestão do conhecimento da IBM e hoje dá aulas em universidades no Reino Unido, Hong Kong e África do Sul. Fundador da consultoria Cognitive Edge, ele é criador de uma metodologia que usa a coleta de histórias para realizar análises e ajudar na tomada de decisão. Snowden esteve em São Paulo recentemente para o lançamento da metodologia no país.

Para Snowden, é preciso entender mais o presente antes de tentar pensar o futuro. "Uma das tendências mais dominantes da área da gestão é querer reunir pessoas para definir uma visão de futuro. E então decepcionar a todos quando essa visão não se concretiza", diz. Na opinião do pesquisador, para navegar em um mundo turbulento e incerto, será muito mais importante saber começar bem uma jornada do que tentar atingir objetivos.

A melhor maneira de compreender o presente, na sua visão, é usar relatos e interpretações das pessoas que fazem parte dele, elementos inspirados na pesquisa etnográfica. "Uma das coisas que nos diferencia como espécie é nossa capacidade de contar histórias. Na evolução, a arte é mais antiga do que a linguagem. Temos essa habilidade de ir para o abstrato, o que é extremamente importante para a inovação", diz.

A técnica reflete uma preocupação que precisa estar intimamente ligada ao "data analytics", cada vez mais presente nas agendas dos comandantes de empresas: a origem dos dados analisados. Ele alerta para o perigo de criar uma "caixa preta" de dados que dão apoio à tomada de decisão, o que deixa a empresa vulnerável à manipulação - um exemplo é o uso das redes sociais e seus algoritmos por grupos que querem minar a democracia.

Snowden defende o aumento da interpretação humana para complementar a interpretação da máquina e para fugir dos modismos do mundo da gestão e do que ele chama de "tecnofetichismo". "Toda vez que uma nova tecnologia surge, as pessoas se tornam fetichistas quanto ao seu uso. O perigo é perder valor no processo", diz.

Ao invés de os funcionários responderem questionários sobre chefes, subordinados e pares, por exemplo, o pesquisador imagina outro processo: um executivo nomeia uma série de pessoas com quem trabalha para descreverem as interações que tiverem com ele por um período. Após fazer o relato, a própria pessoa categoriza a interação dentro de um triângulo definido pela metodologia. Naquele encontro, o executivo foi mais analítico, altruístico ou assertivo?

Snowden explica que o segredo está em não dar ao funcionário indícios de qual seria a resposta "certa", como aconteceria se ele precisasse dar uma nota ao chefe. "Isso faz o cérebro diminuir a velocidade do pensamento, que se torna mais profundo", explica. A pessoa pode escolher compartilhar a história com o chefe ou só o "rótulo" aplicado a ela. Essas informações são inseridas em um software que mapeia para o executivo, por exemplo, qual atitude dele foi mais predominante em um período. Ao observar o resultado, ele pode decidir se quer mudar seu comportamento e consultar os relatos para entender melhor como é percebido pelos colegas.

Além de relatos escritos, os usuários podem fazer gravações ou tirar fotos. "Uma das maneiras mais fáceis de mapear a cultura de uma organização é pedir para as pessoas tirarem uma foto de como é trabalhar naquele lugar", diz o pesquisador. Os usos podem ser variados. Ilustrar o manual de melhores práticas com histórias sobre situações em que elas foram aplicadas.

Promover e registrar as conversas entre funcionários recém-contratados e aqueles que estão prestes a se aposentar para evitar que o conhecimento dos mais experientes seja perdido. Na área de inovação, pedir que clientes relatem uma situação frustrante que represente uma necessidade, e comparar isso com capacidades já existentes na empresa. "A maioria dos avanços da indústria farmacêutica, por exemplo, veio de pessoas percebendo efeitos colaterais de medicamentos", explica.

Um problema enfrentado pela empresa pode ser apresentado para todos os funcionários darem sua interpretação e ajudar na tomada de decisão dos altos executivos. "Isso gera um mapa que mostra a visão dominante da organização, mas também onde as pessoas veem o mundo diferente", diz. A ideia é driblar o instinto do ser humano de avaliar uma situação já com uma ideia pré-concebida de qual vai ser sua decisão - o que normalmente se baseia no que funcionou no passado, mas não é suficiente para um contexto imprevisível.

Um de seus projetos atuais, que está sendo desenvolvido em uma universidade britânica, é uma alternativa ao programa de MBA. "Os MBAs usam estudo de caso e são analíticos, por isso estão sempre carregados do que as pessoas acham que aconteceu no passado", diz. Sua proposta é ter um ano inicial que combine disciplinas da área de humanas e de exatas, seguido de um período em que o aluno aplica seu conhecimento a um caso real.

Durante todo o tempo, ele mantém um "diário" sobre o processo, que precisa ser avaliado e aprovado por profissionais mais experientes. Para Snowden, a educação atualmente é muito voltada para criar especialistas, e a inovação exige profissionais mais generalistas, curiosos sobre diferentes campos do conhecimento. "Precisamos criar uma geração de pessoas que saibam o suficiente sobre as áreas humanas e científicas para que elas consigam se adaptar a condições de incerteza."


Fonte: Valor
Enviada por J.C.

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