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Os mitos que podem trazer insegurança - e riscos - à gravidez

E agora, o que vamos fazer? será que vou ser boa mãe? será que vou dar conta?". Um misto de "alegria e medo" invadiu a educadora física Thays Bacchini, de 30 anos, quando descobriu que estava grávida. "Passa muita coisa na nossa cabeça", diz ela, lembrando que a esse turbilhão de pensamentos se somou um bombardeio de "receitas" sobre a gravidez - que lhe diziam "para comer por dois, para ter sustança", "para, pelo amor de Deus, parar de fazer exercícios até o bebê nascer", entre outras coisas disparadas por todos os lados. "Eu gosto de ouvir o que os outros têm a dizer", observa Thays. "Mas as histórias precisam ter fundamento, porque assim como podem trazer leveza e ser um jeito de a pessoa se mostrar presente nesse momento, elas também podem gerar insegurança".

Essa também é a análise de especialistas, que alertam para os potenciais efeitos de crenças e mitos para a mulher e o bebê. As consequências, dizem, incluem estresse e situações que põem a saúde em risco. "Muitas dessas histórias deixam a mulher preocupada a gravidez inteira, cheia de fantasmas na cabeça", frisa a ginecologista Mariana Maldonado, especialista em obstetrícia e sexualidade humana.

O que é mito?

A seguir, gestantes e especialistas entrevistados apontam e ajudam a esclarecer os que são mais ditos e ouvidos pelas grávidas. 

Para a paulista Thays Bacchini, a gravidez trouxe situações engraçadas, como premonições de que teria um menino por ter a "barriga pontuda" e um "teste dos talheres" para revelar o sexo do bebê. Um garfo e uma colher escondidos embaixo de almofadas, nesse caso, indicariam menino e menina, respectivamente. Ela escolheu uma, sentou e encontrou o garfo. Deu menino outra vez, lembra.

Mas o sinal estava errado - já que é uma menina, Júlia, que ela vai ter - assim como estava a sugestão que ouviu para "comer por dois" nesse período. "Comer por dois não se indica nunca", diz o presidente da Comissão de Assistência Pré-Natal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Olímpio Barbosa de Moraes Filho.

Em média, a Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta o consumo de 2.500 calorias por dia - são 500 a mais que uma adulta não grávida - e há a recomendação de ganho de peso de cerca de 12 quilos, tendo em vista que excessos podem levar a doenças como hipertensão e diabetes. Mas "a dieta vai depender do peso e estatura da gestante". E o mais importante é "ter uma alimentação saudável, balanceada e com orientação", complementa Domingos Mantelli.

Foi isso o que Thays buscou com a ajuda de uma nutricionista: uma gravidez saudável. Com o mesmo objetivo, decidiu manter a rotina de exercícios, mas não faltaram vozes contra. "Foi com o que mais me bombardearam, até por eu trabalhar na área. E isso foi o que mais me irritou", diz. "Não vai agachar, não pega esse peso. Você não pode fazer isso nunca mais até sua filha nascer", era o que ouvia.

Educadora física e personal trainer pós-graduada em "atividade física adaptada e saúde para públicos especiais", inclusive gestantes, a paulista sabia que eram mitos. Ainda assim, interrompeu a atividade até confirmar que estava tudo bem na gravidez e receber sinal verde da médica - "respeitando os próprios limites".

Há um ano praticando Crossfit, Thays adequou o treino. Chegou a substituir corridas e saltos sobre caixas, por exemplo, por outros de menor impacto na bicicleta ou ainda na caixa, mas devagar, com um pé de cada vez. A liberação para se exercitar e quanto ao tipo de exercício depende da condição da grávida, e não há uma restrição válida para todos os casos, segundo especialistas.

Em relação ao Crossfit, considerado de alto impacto, Domingos Mantelli admite que é mais "contraindicado" - mas que, assim como outras atividades "pode ser feito com orientações e se adaptado por um preparador físico". Modalidades como hidroginástica, natação, corrida e musculação são outras que cita entre as possíveis de serem praticadas, sempre com esses cuidados.

Exercícios ajudam a diminuir riscos como hipertensão, diabetes, prematuridade e complicações no parto. "Há muitas vantagens", afirma Thays, que a atividade também lhe ajuda a preparar o corpo para o parto natural. "O exercício fortalece a musculatura, traz muita disposição, melhora dores, circulação, controla a ansiedade, ajuda a respirar melhor e controla a pressão".

 

Lidar com a gravidez, no começo, foi difícil para a fotógrafa natalense Elisa Elsie, de 33 anos. "Eu estava numa fase incrível da minha carreira e sabia como seria a rotina. É uma questão de vida, muda tudo. A relação do casal, você tem alguém dependente de você 24 horas, o trabalho e os estudos precisam esperar", diz ela. "Contei para minha família com quase cinco meses e publiquei a primeira foto grávida com quase seis". Além de ter de aprender a lidar com a nova realidade, ela acabou chegando a uma outra conclusão: "Parece que mulher é domínio público. Todo mundo tem um pitaco, uma sugestão, uma dica".

Elisa "não dava muito espaço para isso", mas não escapou do bombardeio que chegava na ponta da língua de bocas alheias e que iam desde "é melhor não dirigir nem andar por aí sozinha", até "você não devia estar andando com essa barriga de fora! A cidade está cheia de mosquito!", apontando o risco de contrair alguma doença. "Eu falei que estava de repelente e continuei andando", diz ela. "Sempre estava de barriga de fora, porque era verão e eu estava me achando linda!".

O que ela "passou a gravidez inteira ouvindo", entretanto, foi para comer bem e muito para alimentar o bebê" e não só isso. "Alguém comentou também que eu não poderia comer frutos do mar ou crustáceos", diz. "Só que não resisti às ostras e comi caranguejo". Temendo "contaminação na carne", o que ela evitou foi sushi cru, alimento que não é, entretanto, proibido, diz Mantelli. Mas que exige cuidados.

Ele explica que o grande mito nessa questão é que o peixe cru transmita toxoplasmose, uma doença infecciosa que pode passar da mãe para o feto. Mas o peixe cru não transmite toxoplasmose. O risco, na verdade, é que a grávida sofra alguma infecção ou intoxicação alimentar, como qualquer outra pessoa, se o peixe estiver estragado. E complicações se estiver contaminado por mercúrio.

O atum, por exemplo, tem alta concentração desse metal e, por isso, especialistas não recomendam o consumo mais do que duas vezes ao mês. O excesso pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro do bebê, podendo gerar problemas auditivos, de aprendizado e de visão, por exemplo.

"Mas dizer que a grávida não pode comer sushi é mito", reforça Mantelli, frisando a necessidade de atenção ao frescor do peixe e à higiene da cozinha onde é preparado. O NHS, sistema público de saúde do Reino Unido, acrescenta: "Tudo bem comer peixe cru ou levemente cozido em pratos como sushi quando se está grávida, desde que qualquer peixe selvagem, cru, usado para fazer isso tenha sido congelado primeiro".

A precaução é necessária para matar vermes parasitas que ocasionalmente existem nesses peixes e podem causar doenças. Para ostras, camarões e caranguejos, a recomendação é ingeri-los cozidos, pelo risco de haver intoxicação alimentar se a carne estiver crua.

Elisa, que não abriu mão das iguarias, afirma que "era libertador" manter a rotina, inclusive em relação à comida, sem dar ouvidos ao que ouvia sem fundamento. Ela vai além: "Não basta só a mulher estar bem informada. Toda a rede de apoio dela precisa também".

"O mais importante é viver esse momento"
Nos Estados Unidos, o "É preciso comer por dois" é apontado por uma americana como "o maior mito de todos" em um fórum na internet sobre o assunto. Outra conta ter ouvido que "desejar demais" ou não satisfazer certos desejos por alimentos poderia causar marcas de nascença ou fazer mal ao bebê. Já no Uruguai, a jornalista Ana Pais, de 32 anos, ouviu que não deveria tomar banho de mar nem de piscina - o que Mantelli aponta como mito - e estava com espinhas no rosto quando lhe disseram que "vai ter menina, porque quando é menina ela rouba a beleza da mãe". Ela está grávida, porém, de um menino, Teo, e ouviu do médico que as espinhas se deviam a hormônios.

"Eu sabia que não tinha fundamento, mas fiquei em choque. Como alguém pode dizer uma coisa dessas?", disse . "Quando você está grávida é como se abrisse uma porta para as pessoas lhe dizerem o que quiserem. E aí falam abertamente se você está magra, gorda, feia, como essa mulher me disse". 

A economista Victoria Zorrilla, de 34 anos e também uruguaia, teve um sentimento parecido quando engravidou. O mito que "perturbou", foi o de que "não deveria ganhar mais de 1 quilo por mês". "Acredito que você deve cuidar de si mesmo e comer de forma saudável, mas o foco não deve ser apenas no número em uma balança", frisa. "Cada mulher é diferente e ter um padrão ajuda, mas acredito que não deve ser algo obsessivo", acrescenta ela, mãe de Matias, prestes a completar 2 anos. O mais importante se a gravidez está bem, resume, "é se livrar de todas as pressões desnecessárias e viver esse momento".


Fonte: G1

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