post image

Pesquisadores descobrem combinação que causa compulsão por fast-food

Não é segredo que, para uma dieta equilibrada, alimentos ricos em gorduras e em carboidratos refinados devem ser consumidos com moderação. Mas, apesar de quase todo mundo saber disso, a obesidade e o sobrepeso continuam avançando, com mais de 30% da população global acima do peso. Boa parte do problema está na forma como o cérebro se comporta, ativando áreas associadas ao prazer em contato com esses ingredientes. Agora, um artigo da Universidade de Yale (Estados Unidos) publicado na revista Cell Metabolism mostra que, quanto menos saudável, maior a sensação de recompensa.

O estudo foi feito com 206 adultos, que tiveram o cérebro mapeado pelo exame de ressonância magnética funcional enquanto viam fotos de guloseimas conhecidas por conter muita gordura, muito açúcar ou ambos. Os participantes deveriam definir o quanto pagariam pelo lanche favorito, tendo em mãos uma quantidade de dinheiro fornecida pelos pesquisadores. Os produtos alimentícios mais valorizados foram aqueles cujo preparo levava tanto gordura quanto açúcar em excesso.

Além disso, o exame de imagem mostrou que, ao ver a foto do alimento com os dois ingredientes, os circuitos neurais do centro de recompensas do cérebro ficaram mais ativados do que durante a exibição da imagem da comida favorita do participante. O combo gordura + açúcar também estimulou mais o cérebro dos voluntários do que uma guloseima potencialmente mais açucarada, calórica ou, ainda, de tamanho maior.

Segundo os autores, isso poderia explicar por que produtos ultraprocessados, como biscoitos recheados ou sanduíches gordurosos com pão de farinha branca, são tão consumidos, mesmo se sabendo que não fazem bem à saúde. O estudo, de acordo com os pesquisadores de Yale, pode principalmente ajudar a compreender melhor o mecanismo de compulsão pelas chamadas trash food.

Herança evolutiva

A resposta para a preferência do cérebro por produtos gordurosos e ricos em açúcares está na própria história evolutiva. Antes da revolução agrícola, que ocorreu por volta de 12 mil anos atrás, o homem dependia da caça e da coleta de vegetais comestíveis para sobreviver. Nem sempre os encontrava e, por isso, o organismo aprendeu que deveria valorizar alimentos com bastante gordura. Assim, estocaria energia suficiente para, nas situações de carestia, continuar funcionando. Com o estabelecimento da agricultura e a domesticação de animais, isso já não era mais necessário. Contudo, considerando que o homem moderno surgiu há mais de 200 mil anos, do ponto de vista da evolução, os 12 séculos que se passaram desde o início da vida sedentária são como segundos.

Treinado para valorizar a gordura, o cérebro, mais tarde, aprendeu a gostar de açúcar. “Trinta por cento da glicose ingerida vai para o cérebro. Por isso, o açúcar é muito atraente do ponto de vista fisiológico”, explica a neuropsicóloga Valéria Lemos Palazzo, do Grupo de Apoio e Tratamento dos Distúrbios Alimentares e da Ansiedade (GATDA), em São Paulo. “O corpo trabalha em termos de funcionalidade. Quando há gordura e carboidrato, que se transforma em açúcar, de fato o sistema de recompensa do cérebro vai sentir mais prazer por esse alimento”, diz.

Dana Small, diretora do Centro de Pesquisa Fisiológica da Universidade de Yale e principal autora do estudo publicado na Cell Metabolism, explica como isso acontece. “O processo biológico que regula a associação de alimentos com seu valor nutricional evoluiu para os organismos fazerem decisões adaptativas. Um rato, por exemplo, não se arriscará a correr no ambiente externo e se expor a um predador se a comida oferecer pouca energia”, diz. “Surpreendentemente, alimentos contendo gordura e carboidrato parecem sinalizar ao cérebro seu potencial de armazenamento calórico via dois mecanismos distintos. Nossos participantes foram muito precisos em estimar calorias da gordura e pouco, ao estimar calorias dos carboidratos. Nosso estudo mostra que, quando os nutrientes estão combinados, o cérebro parece superestimar o valor energético da comida.”


Transtornos

Embora atraente ao cérebro humano em geral, o alimento gorduroso e com açúcar só será um problema para quem tem transtorno alimentar. “Essa é uma condição genética. A impulsividade é um traço do temperamento, a pessoa nasce com aquilo. Se temos dois ‘chocólatras’, as áreas do cérebro associadas ao prazer e à recompensa do não impulsivo vão se acionar na frente de um chocolate. Mas, naquele impulsivo, diversas áreas serão estimuladas”, diz Valéria Lemos Palazzo.

A neuropsicóloga afirma que os estudos sobre o comportamento cerebral e a nutrição reforçam a necessidade de se quebrar paradigmas e preconceitos a respeito dos transtornos alimentares. “É uma predisposição fisiológica, não se trata de falta de força de vontade.” Outra lição desse tipo de trabalho, segundo a especialista, é que dietas extremamente restritivas tendem a falhar por ir contra uma necessidade do organismo. Riscar o carboidrato, a gordura e o açúcar da alimentação não é boa ideia, diz, defendendo o equilíbrio dos nutrientes. “É preciso entender que não podemos radicalizar nas dietas. Não vale a pena comprar uma briga que você não vai ganhar.”

A pesquisadora de Yale Dana Small diz que os cientistas ainda precisam descobrir qual o sinal metabólico envolvido com a produção de dopamina, uma substância cerebral associada ao prazer, está por trás da experiência do homem pré-histórico com as propriedades nutritivas dos carboidratos. Ela diz que há uma teoria defendendo que, juntos, a gordura e o carboidrato deflagram vias de sinalização simultâneas com as quais a fisiologia humana ainda não sabe lidar nem controlar — o açúcar branco e a farinha refinada são produtos recentes, com poucos séculos de existência. Um exemplo, diz Small, é um estudo que ofereceu a ratos acesso a gordura, carboidrato ou ambos. Nos dois primeiros casos, os animais foram capazes de regular a ingestão calórica total e o peso corporal. Porém, quando houve combinação dos nutrientes, eles ganharam peso rapidamente.

"Nosso estudo mostra que, quando os nutrientes estão combinados, o cérebro parece superestimar o valor energético da comida” 
Dana Small, diretora do Centro de Pesquisa Fisiológica da Universidade de Yale e principal autora do estudo

Estresse 
Estudo publicado na revista Brain, Behaviour and Immunity mostra que ratos adolescentes que consomem uma dieta rica em gordura saturada têm dificuldades de lidar com o estresse na idade adulta. A pesquisa, da Universidade Loma Linda, na Califórnia, também constatou que áreas do cérebro que se ocupam com a resposta ao medo ficam alteradas a ponto de os animais começarem a exibir comportamentos semelhantes ao do transtorno do estresse pós-traumático (TEPT). “A adolescência é uma fase crítica para a maturação cerebral, incluindo o quão bem (ou não) lidaremos com o estresse quando adultos. O estudo sugere que a obesidade e as alterações metabólicas podem predispor indivíduos a psicopatologias associadas ao TEPT”, afirma Johnny Figueroa, um dos autores.


Fonte: Correio Braziliense

Compartilhar

Permito o uso de cookies para: