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Geração mobile: a maneira como as crianças consomem tecnologia mudou

A tecnologia digital e a internet fazem parte do nosso dia a dia e da rotina das crianças, é fato. E tudo indica que esse é um caminho sem volta. O que muda constantemente é a maneira como nos relacionamos com ela. À medida que os aparelhos evoluem, adquirem novas e mais complexas funções, nós nos adaptamos e criamos mais espaços para eles. As telas não são mais exclusividade das salas, invadiram outros ambientes da casa e boa parte dos dispositivos pode ser carregada para onde você for – o que, certamente, influenciou no tempo que gastamos com eles.

Tudo isso (e muito mais) foi observado em uma pesquisa exclusiva da CRESCER feita com pais e mães (com filhos de 0 a 8 anos), com foco no uso da tecnologia pelas crianças. Para mostrar quanto e como o consumo dos principais gadgets mudou, comparamos os últimos dados com uma pesquisa realizada em 2013, com 1.045 participantes com filhos na mesma faixa etária. Desta vez, no entanto, a amostra praticamente dobrou: foram 2.044 pais e mães.

Entre os achados que mais se destacam, eis uma boa notícia: caiu o número de famílias que permitem o uso de aparelhos eletrônicos durante as refeições ou antes de dormir. Por outro lado, aumentou o tempo que meninos e meninas passam diante de algum tipo de tela – dos televisores aos smartphones. Hoje, 47% deles gastam mais de três horas com a atividade. Há cinco anos, o volume era de 35%. “Também chama a atenção o grande número de crianças que, com menos de 2 anos, já possuem algum dispositivo digital”, diz o neurologista infantojuvenil Marco Antônio Arruda, do Instituto Glia (SP), que analisou alguns dos dados da pesquisa. Segundo o estudo, 38% delas já têm um celular, tablet, computador, videogame ou TV – no passado, só 6% eram donas de um aparelho. Alguém se identifica?

Para o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da USP, há algumas razões por trás disso. Em primeiro lugar, está o barateamento dos equipamentos, que aumenta o acesso a eles em todas as classes sociais. “Outro fato é que, cansados ao final de sua jornada de trabalho, os pais acabam utilizando a tecnologia para entreter as crianças”, diz. Por fim, como essa geração tem contato com esses aparelhos cada vez mais cedo, eles se transformam também em um estímulo de desenvolvimento das funções cognitivas”, completa. De fato, como mostrou a pesquisa, 60% dos pais acreditam que os dispositivos preparam melhor as crianças para o futuro.

 

Olho no olho?


Os números mostram, no entanto, que nem todas as orientações para garantir o bem-estar delas são seguidas na prática. A rigor, continuam valendo as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Para crianças com até 2 anos, o ideal é que não sejam expostas aos aparelhos digitais. A partir dessa idade até os 5 anos, o limite é de uma hora e meia por dia. As regras da Academia Americana de Pediatria (AAP) são parecidas: no máximo uma hora de tela dos 24 meses aos 5 anos. Esse controle rigoroso continua depois da primeira infância. Para a SBP, até os 10 anos, a garotada não deve usar os dispositivos em seu próprio quarto, longe dos pais. E por que tanto zelo?

As indicações são feitas com base no que se conhece sobre o desenvolvimento infantil. O cérebro é um órgão plástico. Isso significa que, quanto mais estimulado, mais potente ele fica. Enquanto as experiências analógicas recrutam um número maior de habilidades e demandam conexões complexas, a interação com aparelhos digitais é limitada e preestabelecida de acordo com as programações. Sendo assim, o contato olho no olho com o seu filho, por meio de diálogos e brincadeiras, é mais eficiente para o amadurecimento cerebral dele do que aquele jogo high-tech, acredite. “Já está comprovado, por exemplo, que o abuso de eletrônicos antes dos 2 anos causa atrasos na linguagem”, afirma Nabuco.

Por mais que os pais permitam o uso de gadgets, a pesquisa mostra que eles continuam preocupados com a influência desses aparelhos e da internet na vida dos filhos: foi o que afirmaram 51% dos entrevistados. E uma das maiores inquietações diz respeito ao fato de a criança deixar de brincar para usar as telas. Por isso, para garantir a saúde (e a segurança) do seu filho nesse mundo digital, os especialistas sugerem que os pais busquem informações em fontes confiáveis (como a CRESCER). “Como se trata de um universo novo para todos, sobretudo para os pais, é preciso educar também os adultos para essa realidade”, afirma a neuropediatra Liubiana Arantes de Araújo, presidente do Departamento de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

 

Menos TV, mais celular


Há seis anos, quando nasceu Felipe, o filho da fotógrafa Daniela Picoral, 40 anos, ela e o marido tinham uma televisão antiga, modelo tubular. Como ocorre em uma residência com bebê, a rotina mudou. Daniela não tinha mais tempo para assistir a filmes ou programas. “Nas poucas vezes em que liguei o aparelho, percebi que nada me interessava. Eu passava mais tempo trocando de canal do que assistindo a algo interessante”, diz a fotógrafa. Ela e o marido resolveram, então, cortar a assinatura de canais pagos e doar a TV. Mais tarde, quando Felipe tinha 1 ano e 7 meses, Daniela trouxe para ela um iPad mini de uma viagem ao exterior. Na época, o menino passou a acordar muito cedo e a mãe viu nos desenhos do Netflix uma saída para que ela pudesse dormir um pouco mais enquanto o bebê se entretinha.

O hábito se mantém até hoje: Felipe usa o tablet pela manhã, mas com o limite de uma hora por dia. Além dos vídeos, joga videogame também. À noite, porém, a família tem uma regra. Depois do jantar, nada de eletrônicos. “Em geral, lemos e contamos histórias”, afirma Daniela. Buscar equilíbrio no consumo dos gadgets é um desafio, até mesmo para os adultos. Mas exemplo dos pais é tudo. Não adianta proibir as crianças de levar o tablet à mesa se, a cada garfada, você checa o e-mail.

Assim como a família de Daniela, outras têm deixado a TV de lado. Segundo a pesquisa realizada por CRESCER, de 2013 para cá, caiu de 98% para 75% o volume de pessoas que usam o aparelho. Isso não significa, porém, redução no tempo diante das telas: 45% dos pais e mães afirmaram que seus filhos passam mais de três horas por dia jogando videogame ou usando o computador. O levantamento mostra que, na verdade, o que reduziu foi o tamanho das telas. Afinal, caiu também o uso de computador como aparelho de preferência (de 76% para 15%) e aumentou o dos smartphones: de 49% para 60%. E isso faz diferença, sim, no bem-estar da criança. “Quanto menor o dispositivo, maior o risco de dano visual”, alerta a neuropediatra Liubiana. Ela ressalta que, nos últimos anos, cresceram os casos de miopia na infância, sinal de que os olhos são pouco estimulados a avistar o horizonte.

Além de controlar o tempo de exposição, em vez de declarar guerra ao mundo hi-tech, garanta que o seu filho tenha mais experiências ao ar livre e em contato com a natureza – que tal uma ida ao parque? Quanto a isso, a pesquisa traz um dado otimista: o tempo gasto com os gadgets cai nos fins de semana. No caso do videogame, por exemplo, a porcentagem de crianças que passam mais de três horas brincando com o aparelho cai de 53%, nos dias úteis, para 26% nos fins de semana.

É o que acontece na casa da neuropediatra Rejane Campos, 38 anos, mãe de Sofia, 4, e Miguel, 8 meses. Moradora de um apartamento em São Paulo, no dia a dia, ela recorre a jogos e filmes para ocupar o tempo em que a mais velha não está na escola. O bebê também assiste a filmes. “Damos preferências a jogos educativos e desenhos com conteúdo próprio para a idade”, afirma. Em contrapartida, nos fins de semana, a família prefere outras atividades. “Saímos, vamos à casa dos avós e, em geral, meus filhos nem lembram da existência desses aparelhos”, diz.

 

Vídeos, Youtubers e afins


E o que as crianças mais curtem fazer com as telas? Nosso estudo revelou que para 98% delas é assistir a vídeos – filmes, desenhos ou canais de plataformas como o YouTube. Até aí, não há problema, desde que os limites de tempo sejam controlados. O risco está na qualidade do que está disponível. Recentemente, o Ministério da Justiça e a Procuradoria Geral dos Direitos do Cidadão deram início a discussões com o objetivo de buscar estratégias para fazer com que as produções a que os pequenos assistem online sejam mais educativas e adequadas para sua idade. O objetivo é criar uma classificação indicativa para sites como o YouTube, sem caráter de censura.

Enquanto nada sai do plano das ideias, os especialistas recomendam que os pais se informem sobre a temática e, se possível, assistam juntos antes de liberar a criança para ficar sozinha na tela, como faz boa parte das pessoas que responderam à pesquisa. Mais da metade (57%) só libera conteúdo na TV recomendado para a faixa etária e 41% só permitem que os pequenos utilizem gadgets acompanhados de um adulto. “É preciso avaliar se o conteúdo é violento, sexual ou incentiva o consumismo, o que é comum em vídeos feitos para e por crianças”, alerta Liubiana.

Outro dado da pesquisa, por falar nisso, mostra que quase metade (47%) dos pequenos já tem um influenciador digital ou canal que acompanha com frequência. “É natural que as crianças copiem os gestos, o linguajar e até a forma de pensar dos youtubers, o que nem sempre condiz com a educação que a família preconiza”, afirma a médica. Se você não concordar com a atitude de algum deles, converse com o seu filho e, se for o caso, proíba. No mês passado, por exemplo, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) julgou e tirou do ar oito ações publicitárias de canais do YouTube por considerar que eram inapropriadas para o público infantil. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Em 2017, o alvo do órgão foi o canal do influenciador Felipe Neto, que tem quase 22 milhões de assinantes. Na ocasião, foi determinada a suspensão de um vídeo em que ele e o irmão, Lucas Neto, convidavam a audiência a participar de um sorteio para passar um dia na casa da dupla. O Conar, no entanto, julgou que a peça não deixava claro que se tratava de um anúncio publicitário.

Ou seja, tem de ficar de olho. Rejane, a mãe de Sofia e Miguel, conta que escolhe com cuidado o que oferece para seus filhos assistirem. “Mas um dia eu mesma flagrei uma paródia pornográfica da Galinha Pintadinha e outra de uma Peppa Pig violenta”, diz. A partir de então, instalou o app YouTube Kids, que seleciona conteúdo infantil. “Apesar disso, fico atenta porque sempre há o risco de escapar alguma coisa.” Para evitar que algo impróprio fuja dos algoritmos de proteção, o Google, que detém a plataforma, anunciou recentemente a contratação de pessoas para trabalhar como curadores reais.

Independentemente do quanto as ferramentas de controle tenham ficado mais práticas, a supervisão dos adultos é ainda o principal filtro. “O diálogo entre filhos e pais sobre os benefícios e os riscos da internet deve ser aberto desde o primeiro clique e mantido até que a família tenha segurança de que eles já sejam maduros o suficiente para encarar o ambiente virtual sozinhos”, diz Rodrigo Nejm, diretor de educação da SaferNet, associação que atua em prol dos direitos humanos na internet. Sim, da mesma forma que você ensina seu filho sobre higiene, alimentação ou trânsito, está na hora de pensar em educação digital – esse é, aliás, o tema de uma cartilha recém-lançada pelo Google para pais e educadores.

 

E na escola, pode?


A quantidade de aparelhos eletrônicos de uma escola está longe de ser sinal de qualidade de ensino. “Os países mais inteligentes priorizam salários e isonomia dos professores”, adverte a jornalista Amanda Ripley em seu livro As Crianças mais Inteligentes do Mundo (Editora Três Estrelas). Para escrevê-lo, ela mergulhou no universo das escolas com os melhores índices de ensino do mundo. “Ao procurar uma educação de primeira qualidade, lembre-se de que pessoas são sempre mais importantes do que objetos.”

Os pais brasileiros estão mais cientes disso. Na pesquisa de 2013, quase todos (98%) afirmaram achar positivo que seus filhos usem eletrônicos na escola. Já no levantamento atual, o número caiu para 72%. Ainda assim, os gadgets e a internet podem ser aliados para incutir nos pequenos o gosto pelo saber. Para os especialistas, passados os primeiros 2 anos, as escolas e as famílias podem fazer uso eventual de jogos educativos e vídeos, por exemplo – como aproveitar aquela dúvida do seu filho sobre a vida dos dinossauros para uma busca em conjunto. “As crianças têm prazer em usar tecnologia e isso deve ser aproveitado para tornar o ensino mais atraente”, diz a neuropediatra Liubiana, da SBP. E o melhor é que esse aprendizado pode acontecer em casa, na escola ou onde quer que funcione o seu celular.

O uso da TV pelas crianças diminui, mas o do smartphone aumenta:


Videogame

 

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Computador

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TV

 

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Tablet

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Smartphone

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Melhor prevenir…


A exposição a conteúdos impróprios na internet é a grande preocupação da maioria (83%) dos pais que participaram da pesquisa. Conheça tecnologias disponíveis para ajudar a proteger as crianças:


Screen Time


No mês passado, a Apple anunciou um novo aplicativo para controle das atividades dos filhos em dispositivos com a tecnologia iOS. Prometido para chegar ao mercado em setembro, permitirá escolher horários para uso do aparelho e ainda selecionar quais funções podem ser habilitadas ou não. Além disso, ele deve gerar relatórios sobre o comportamento virtual das crianças.


Qustodio


Disponível para Android, iOS, Windows, Mac e Kindle, este software pode ser encontrado em duas versões. A anuidade da Premium custa de R$ 78,95 (para cinco dispositivos) a R$ 193,95 (para até 15 aparelhos). Entre suas funções estão o bloqueio de conteúdo impróprio e a possibilidade de limitar o tempo de uso do aparelho. Além disso, permite visualizar chamadas ou textos enviados por mensagem e bloquear alguns contatos. Já a versão gratuita tem funções restritas.


Karspersky Safe Kids


O software bloqueia o acesso a sites e aplicativos inadequados (selecionados pelo próprio programa ou pelos adultos) e permite configurações específicas para diferentes idades. Está disponível na versão gratuita, mas a Premium (R$ 49, licença para um ano) informa aos pais sobre postagens públicas em redes sociais e sobre o aumento do número de amigos.


YouTube Kids


A plataforma dispõe de um app (para Android e iOS) que seleciona, por algoritmo, o conteúdo indicado para o perfil de cada criança. Nas configurações, os pais podem definir um limite de tempo para que os filhos acessem o aplicativo e, se desejarem, também podem desligar a pesquisa.


Chrome


O navegador do Google dispõe de uma função de controle de pesquisas para crianças, que filtra conteúdo adulto. Para ativá-la, entre na página de “Configurações de Pesquisa” e marque “Ativar o SafeSearch”.


Nos celulares Android


Em aparelhos com esse sistema operacional, é possível restringir os aplicativos, filmes e músicas que podem ser baixados. Para isso, basta entrar na Play Store, ir em “Configurações” e, então, em “Controle dos pais”. Aqui você pode determinar a faixa etária dos apps e filmes que estão liberados para as crianças e ainda bloquear músicas com letras impróprias.


Netflix


Permite cadastrar diferentes usuários e libera o conteúdo de acordo com o perfil de atividade de cada um deles. A versão Kids filtra os vídeos e séries contraindicados para crianças.

Percentual de crianças, entre 0 e 8 anos, que utilizam seus próprios dispositivos:


Videogame

 

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Computador

 

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TV

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Tablet

 

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Smartphone

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Fonte: Crescer

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