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Menos tédio e mais brincadeira

Pilhas de caixas de brinquedos se formam no dia do aniversário, e são maiores a cada Natal. Não há doação que dê jeito, os apelos a avós e tios para diminuir a quantidade de presentes não funcionam, e não é raro que as mães hoje já tenham embrulhos guardados para serem abertos daqui a um ano. Com famílias menores e mais acesso ao consumo, faltam crianças para tantos presentes. Em 2012 o faturamento da indústria de brinquedos foi de R$ 3,87 bilhões segundo dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq). Para 2013 a estimativa é de R$ 4,34 bilhões de faturamento, sendo que 55% dessas vendas acontecem no Natal e no Ano Novo. Os campeões desse ranking são os bonecos e bonecas, com 16,2% do total. Só não se sabe ainda se ter tantas opções tão cedo faz bem para o desenvolvimento das crianças.

Em um estudo sobre tédio com 30 crianças entre 5 e 7 anos, desenvolvido pelo Instituto de Psicologia da Universdade de São Paulo, a pesquisadora Clarice Kunsch observou dois fatores, um ligado ao excesso de brinquedos, que tornava tudo desinteressante; outro ao fato de as crianças brincarem sempre tuteladas por um adulto, em aulas extracurriculares, ambientes cheios de atividades de entretenimento — com pouco espaço para brincarem livres, com ou sem brinquedo.

- Tudo é dirigido, basta comparar as festas de antigamente e a de hoje. Crianças sabem brincar juntas e o brinquedo é uma boa ferramenta - diz.

Muitas vezes, segundo a pesquisadora, que também é professora de crianças de 4 e 5 anos, o pedido do brinquedo esconde uma demanda por atenção, e a resposta do adulto que dá o presente serve para suprir a culpa. Uma dica é observar se este desejo por determinado objeto persiste.

- A qualquer menção do brinquedo a criança já o ganha. Mas quando eu perguntei para essas 30 crianças sobre seus momentos mais felizes, nenhuma relacionou a bens materiais, só a pessoas, como a visita do avô, a chegada do tio - lembra.

Caminho sem volta

Para a pediatra Samura Barreto, a chave para evitar o excesso de consumo, quando há, é o bom senso e um pouco de paciência diante de tanta informação que - gostando ou não - não tem limites. De forma geral ela observa que meninas são mais consumistas que meninos, alguns bairros e escolas também podem favorecer mais este tipo de comportamento.

- Seria interessante que os parentes dessem componentes diferentes de um mesmo brinquedo, por exemplo, para que ele fosse aproveitado por mais tempo. Esses sentimentos de almejar o presente, a emoção de ganhar e depois aproveitar são bacanas - diz a médica. - Mas sem esquecer que elas têm que ser crianças modernas: ficar sem TV, sem computador é ficar fora da realidade. É não dar armas para que o filho saiba lutar no futuro e aí a frustração será maior - acredita.

Na casa da empresária Fernanda Baltar, mãe de Pedro, de 1 ano e meio, há brinquedos guardados para o aniversário do ano que vem. Quando a mãe foi escrever a cartinha para o Papai Noel, perguntou se ele queria carrinho e ele disse que não. Na loja de brinquedos, ele costuma escolher um de que gosta, mas como bem diz a mãe, “não é uma festa por qualquer coisa”.

- Não sinto desinteresse nem falta de foco, mas não deixo tudo com ele o tempo todo, seleciono alguns brinquedos para cada fase dele e vou trabalhando aquilo - conta Fernanda. - A gente faz o melhor dentro do que acredita ser o melhor.

Por trás do empenho dos pais, na angústia de saber se está, de fato acertando, alguns apostam em vários brinquedos baratos em vez de um só, de maior valor - embora dados da Abrinq apontem que as faixas de maior valor, entre R$ 51 e R$ 100 e acima de R$ 100, tenham tido maior crescimento entre 2011 e 2012 (de 12,8% para 14,2%; e de 12,9% para 14%, respectivamente). Para a psicóloga Clarice Kunsch a estratégia não tem efeito para os pequenos.

- Se você mostrar um bolo de notas de R$ 5 e uma nota de R$ 100 a criança vai se achar mais rica com o bolo de notas de menor valor, essa concepção de valor está mais ligada ao adulto.

Quanto à preocupação com crianças que brincam muito sozinhas, os pais podem relaxar um pouco. Não é problema, pode ser o perfil dela. Mas bonecos de personagens, o que mais se vê por aí, podem limitar a criatividade.

- Se você mostrar uma boneca de vestido vermelho e perguntar o nome dela, a criança dirá vários nomes. Se você mostrar a Mônica, essa mesma criança dificilmente dirá um nome diferente de Mônica. O personagem já vem com uma história, contexto, amigos, e isso traz uma limitação - explica a pesquisadora.

Fonte: O Globo
Edição: F.C.

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