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O malabarismo de ser mulher

São 4 horas da tarde de quarta-feira na moderna sede do Facebook em Menlo Park, e Sheryl Sandberg, sua diretora operacional, está em sua sala com divisórias de vidro usando uma jaqueta esporte rosa e preta. Ela acaba de ter um dia agitado no trabalho: embora estejamos falando pelo Skype, posso ver parte da equipe que ela comanda vez por outra na beira da tela do meu computador. Dentro de alguns minutos, explica, com um grande sorriso, vai sair do trabalho para jogar beisebol com o filho. \"Comprei \'cupcakes\' e pizza - ele vai adorar!\", diz - de cabelo desgrenhado, rosto brilhante, sem maquiagem, e camiseta esporte.
\"Como será que ela consegue?\", pergunto-me, com um sentimento de inveja respeitosa, para depois me repreender mentalmente, envergonhada. Como pessoa versada no \"malabarismo de ser mãe\" - tenho duas filhas pequenas de idades semelhantes aos filhos de Sheryl -, detesto que me perguntem \"como faço\". Aliás, quando conheci Sheryl, dois anos atrás, demos risada disso. 

Todo mundo sabe que ser mãe que trabalha é tarefa difícil: o motivo pelo qual estamos batendo papo pelo Skype, e não nos vendo pessoalmente, é o fato de nossas agendas estarem totalmente cheias. Mas milhões de outras mulheres - e homens - estão fazendo malabarismo hoje em dia. E esses homens raramente são interrogados sobre como conseguem associar as alegrias da paternidade com a ambição, ou administram os inevitáveis rompantes de culpa ou de sensação de insuficiência.
De qualquer forma, parece um tanto desnecessário perguntar como ela faz. Sheryl acaba de publicar seu primeiro livro, \"Faça Acontecer - Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar\" (trad.: Denise Bottmann, Companhia das Letras, 288 págs., R$ 34,50). Nele, descreve com riqueza de detalhes como conseguiu conciliar vida familiar e profissional - e convoca mais mulheres a fazer o mesmo. 

Não importa o fato de as mulheres ocidentais terem ingressado na população economicamente ativa e nos contingentes de alto nível acadêmico em número recorde nas últimas duas décadas: essa conquista não se refletiu nos altos cargos corporativos, dos quais apenas 14% são ocupados por mulheres.
De maneira deprimente, esse baixo dado estatístico permaneceu inalterado por dez anos. E, no Reino Unido, esse número é ainda menor, de aproximadamente 6%. \"Há estagnação\", afirma. \"E ninguém fala disso.\"
Algumas mulheres atribuem o problema a preconceito da parte dos homens ou a obstáculos institucionais. Mas Sheryl acha que a cabeça das mulheres também tem culpa. Mais especificamente, acha que elas se boicotam ao \"se acomodar\" na carreira antes e depois de ter filhos, ao não se fazer ouvir e ao se recusar a fazer que os homens assumam igual parcela das tarefas domésticas. Nesse contexto, ela quer que mais mulheres \"mergulhem de cabeça\" no trabalho - exigindo sucesso, mesmo quando vão a jogos de beisebol com os filhos.
Essa mensagem enfureceu algumas mulheres - e homens. Sheryl tem dinheiro suficiente para se dar ao luxo de manter muitos auxiliares domésticos - o IPO do Facebook, no ano passado, a tornou potencialmente uma bilionária, em tese - e tem poder suficiente em sua sala para ditar as regras. Para outras mulheres, no entanto, a batalha parece mais difícil. 

De fato, Anne-Marie Slaughter, professora de Princeton que optou por deixar o emprego no Departamento de Estado em 2011 quando achou o \"malabarismo\" difícil demais, criticou Sheryl por não dar atenção suficiente a problemas institucionais. E, em recente reportagem de capa, a \"New York Magazine\" declarou que a nova tendência entre algumas feministas era \"cair fora\" ou optar por ficar em casa e não abraçar uma definição masculina de sucesso no trabalho.
A própria Sheryl se esforça para atenuar qualquer bate-boca. Na questão de Anne-Marie, por exemplo, ela se mostra diplomática. \"Estou ansiosa pelo livro [que Anne-Marie escreve agora]\", diz, enfatizando que \"Faça Acontecer\" também defende a reforma institucional. E com o livro encabeçando a lista dos mais vendidos do \"New York Times\", ela está comprometida a promover sua mensagem não apenas para as mulheres, mas para os homens também, entre os quais os que ocupam os altos escalões corporativos (em grande medida desprovidos de mulheres).
\"Esta manhã mesmo eu estava com John Chambers [principal executivo da Cisco] e lhe falei de \'Faça Acontecer\' e ele demonstrou muito apoio\", empolga-se. \"Disse que eles vão mudar a maneira pela qual gerem as mulheres. E eu recebi ótimas mensagens de apoio de pessoas como Mohamed El-Erian, da Pimco, e Bob Moritz, da PwC. Fui a Wall Street e sentei-me com seus mais destacados diretores para falar sobre isso - e eram, na maioria, homens. Fui também a uma reunião de cúpula de CEOs, formada 87% por homens. Tenho levado essa mensagem a homens de poder toda vez que posso.\"
Mas será que essa demonstração de apoio não é simplesmente o establishment corporativo americano pegando carona na mais recente tendência das relações públicas? Afinal, observo cinicamente, quase todo dirigente corporativo de hoje afirma gostar da igualdade. 

Há também outros motivos para o establishment corporativo americano querer agradar a Sheryl: ela não apenas é uma participante influente do Vale do Silício como se supõe, em amplos círculos, que acalente futuras ambições políticas. No início deste ano, por exemplo, seu nome chegou até a ser mencionado como possível secretária do Tesouro americano (assunto que ela tem esperteza política demais para não comentar).
Mas ela insiste que há motivos maiores pelos quais os CEOs estão abertos à sua mensagem. \"As empresas não deveriam fazer [essas mudanças] como um favor para as mulheres, mas porque é bom para as instituições e seus resultados financeiros. [Warren] Buffett diz que só se saiu tão bem porque competia apenas com metade da população - os dirigentes empresariais sabem que fazer as mulheres se engajarem mais faz sentido. É bom para a competitividade das companhias.\"
Há um segundo fator também, menos óbvio. \"Há muitos homens mais velhos que têm filhas - pessoas como [o ex-vice-secretário do Tesouro e celebridade de Wall Street] Bob Steel.\" Em especial, pais de sucesso estão percebendo agora que, se quiserem que suas filhas tenham sucesso, não basta simplesmente colocá-las numa boa faculdade ou num bom primeiro emprego. \"As mulheres estão ultrapassando os homens em formação acadêmica - elas chegam até a falar sobre o fim dos homens. Mas há estagnação nos altos escalões.\" A esperança representada pela revolução feminista anterior de alguma forma não se concretizou.
Essa última questão é especialmente carregada de emoções para Sheryl, uma vez que ela foi criada na montanha-russa das mudanças das concepções sobre os papéis dos gêneros das últimas décadas.
Descendente de uma família de imigrantes judeus, Sheryl cresceu sabendo que as mulheres de sua família tinham tido as ambições frustradas. Sua avó materna era cheia de \"energia e determinação\", escreve ela em \"Faça Acontecer\", mas nunca teve uma carreira ou instrução formal adequada. 

A mãe de Sheryl começou um doutorado na década de 1960, mas saiu quando engravidou, [porque] \"era considerado sinal de fraqueza um marido precisar da ajuda da mulher para sustentar a família\". Mas quando Sheryl entrou em Harvard, em 1987, depois de cursar o ensino médio em Miami, \"os dois gêneros pareciam igualmente centrados na vida acadêmica. Não me lembro de ter pensado em minha carreira futura de maneira diferente dos estudantes do sexo masculino. Também não me lembro de qualquer conversa sobre algum dia ter de conciliar trabalho e filhos. Apenas duas gerações depois da da minha avó, as condições pareciam de igualdade.\"
Depois de se formar, Sheryl foi trabalhar no Banco Mundial com Larry Summers e rapidamente conseguiu o que queria. Mas aí seus sonhos feministas ficaram mais complexos. \"Quando entrei na faculdade, por mais que meus pais enfatizassem o sucesso acadêmico, enfatizavam ainda mais o casamento\", recorda no livro. 

\"Eles me diziam que as mulheres mais desejáveis se casam cedo para conseguir um \'homem bom\' antes que todos estejam comprometidos.\" Em vista disso, ela se casou cedo. Mas se divorciou tempos depois, tendo de suportar uma sensação de \"enorme fracasso pessoal e público\". 

Na verdade, sua vergonha era tamanha que, quando Summers depois ligou a ela para lhe oferecer um emprego interessante em Washington - após ela ter feito MBA em administração de empresas em Harvard -, ela recusou porque queria fugir do lugar de seu casamento fracassado.
Em vez disso, foi para a Califórnia, onde trabalhou na consultoria McKinsey. Depois disso, após outro período como chefe de gabinete de Summers - que era na época secretário do Tesouro -, tomou o rumo do Oeste de novo e assumiu um emprego no Google. 

Na época, o Vale do Silício não era um lugar muito afeito às mulheres: eram quase tão raras no universo da ciência da computação quanto nos cargos de direção. Desde então, essa situação se deteriorou ainda mais. \"Na década de 1980, as mulheres eram cerca de 30% dos alunos nos cursos de ciência da computação - agora são menos de 20%\", observa. \"Pus recentemente meu filho num curso de imersão em ciência da computação e, das 35 crianças, apenas 5 eram meninas, das quais 2 eram minha sobrinha e uma amiga dela. E isso está acontecendo aqui, no Vale do Silício! É terrível!\"
Sheryl, no entanto, chegou aonde queria: após ascender nos escalões do Google, ingressou no Facebook e arrancou aplausos por suas qualificações em gestão. Alguns críticos destacam que ela não é uma versão feminina de Steve Jobs: ela é melhor como chefe de gabinete do que na produção de ideias visionárias ou saltos de qualidade inovadores. Mas ninguém duvida de sua capacitação na gestão de colegas difíceis (sejam eles Zuckerberg ou Summers) ou que seja brilhante em articular a cooperação entre equipes e promover sua empresa - e a si mesma - com encanto e força impressionantes. 

\"Uma das coisas fundamentais que venho dizendo é que temos de atentar para a linguagem\", diz. \"Temos de parar de dizer que nossas filhas são mandonas ou de qualificar as mulheres como agressivas no trabalho. Temos que acabar com esses estereótipos - ninguém diz essas coisas ao falar de homens.\"
Aos 40 e poucos anos, seus sonhos feministas de estudante pareciam estar se realizando: além de ter avançado na carreira, \"de maneira sensata e com muita alegria\", ela se casou de novo, com Dave Goldberg, empresário do setor de tecnologia. Mas, quando olhou à volta, reparou que muitas de suas brilhantes contemporâneas estavam abandonando o sonho da carreira. \"Meus anos de formação em administração foram os últimos 10 a 12 anos\", conta. \"E é nesse período em que a estagnação [do avanço das mulheres] é especialmente severa.\"
Inicialmente, Sheryl relutou em falar disso publicamente: mulheres da idade dela e da minha foram criadas na suposição de que a melhor maneira de alcançar sucesso era trabalhar duro e não gritar palavras de ordem feministas. \"Até quatro anos atrás, eu nunca falei nada sobre isso no ambiente de trabalho\", afirma. \"Todo mundo que eu conhecia me aconselhava a não escrever esse livro, ou falar sobre isso, pois seria ruim para minha carreira profissional.\"
Mas aí ela proferiu alguns discursos em universidades e uma conferência TED que tocaram na questão do gênero - e teve uma receptividade tão grande que decidiu romper o silêncio. \"Meu agente disse: \'Você continua esperando insistentemente alguém escrever esse livro. Mas ninguém vai fazer isso\'. Então, acabei escrevendo eu mesma.\"
Mesmo assim, não foi fácil para Sheryl se expor e ela preferiu se esconder atrás de números (recurso que entendo plenamente: a maioria das mulheres que trabalham tem restrições em falar de seu \"malabarismo\"). \"A versão preliminar do meu livro se resumia, basicamente, a estudos [acadêmicos]. Mas ninguém gostou deles - por isso os tirei.\" Em vez disso, o agente e o \"ghost writer\" de Sheryl lhe pediram para tornar o livro \"sincero e pessoal\". Foi uma medida inteligente: embora \"Faça Acontecer\" ainda encerre os dados estatísticos que ela tanto preza, é salpicado com relatos fascinantes de episódios da vida de Sheryl e de seus amigos e amigas.
Ela escreve, por exemplo, sobre as tensões que ela e o atual marido enfrentaram quando ele conseguiu um bom emprego em Los Angeles e ela queria trabalhar em San Francisco. Discute os desafios de chorar no trabalho, andar como uma pata choca na gravidez, tentar negociar um salário e usar tecnologia para trabalhar on-line em casa. (Sheryl apoia essa ideia, ao contrário de Marissa Mayer, principal executiva do Yahoo! e outra das poucas mulheres poderosas na área tecnológica, que divulgou uma instrução que desestimula o trabalho em casa.)
Pergunto-me se não foi difícil ser tão pessoal no livro como Sheryl teve a coragem de ser. O que Dave teria sentido, digamos, por ela discutir no livro a fragilidade do ego masculino? Ela faz uma careta. \"Dave e eu temos o mesmo sentimento - não queríamos, na verdade, tornar a coisa pessoal.\" Mas ela também sabia que essa era a única maneira de dar o recado: todo caso real do livro reforça seu argumento de que as mulheres têm de se fazer ouvir no trabalho, levar à frente a carreira e, acima de tudo, fazer o possível para se casar com homens bons, que as apoiem, como Dave.
\"Na busca por um companheiro, meu conselho às mulheres é que namorem todos: os playboys, os descolados, os que têm horror ao compromisso, os aloprados. Mas não se casem com eles\", escreve, em tom firme. \"Encontrem alguém que queira como parceiro um igual... que ache que as mulheres devem ser inteligentes, obstinadas e ambiciosas [e que] valorize o jogo limpo.\" E não se casem moças demais: ela ficou horrorizada, diz, com uma sugestão feita numa carta muito discutida publicada num jornal estudantil de Princeton para as garotas se concentrarem em agarrar bons homens na universidade para se casar.
Trata-se de um recado muito inteligente: na verdade, quisera eu que minha geração tivesse podido ler \"Faça Acontecer\" quando éramos jovens. E Sheryl tenta agora disseminar essa mensagem por meio de uma fundação até agora conhecida como \"Lean In\" e um grupo no Facebook, que já tem cerca de 144 mil seguidores. Esses instrumentos conclamam as mulheres de todas as idades que trabalham a se engajar, como mentoras, a se aconselhar mutuamente em pequenos grupos. A fundação, além disso, posta vídeos educativos on-line que ensinam habilidades práticas.
\"Esse material é surpreendente; ele foi desenvolvido pela Universidade de Stanford - há um vídeo sobre negociação, por exemplo, que é muito prático\", empolga-se, observando que um material que era visto por \"apenas 50 pessoas\" na Faculdade de Administração de Stanford está atualmente acessível a milhares. \"Esse é um caso de conjunção entre educação on-line e estudos de gênero e o \'como fazer\'.\"
Mesmo assim, num momento em que Sheryl promove \"Faça Acontecer\", não posso deixar de sentir que há certo grau de ironia no caso. Nas duas primeiras décadas de sua carreira, batalhou para ser levada a sério, de uma forma que desconsiderasse a questão de gênero; mas, se a campanha for bem-sucedida, ela poderá acabar sendo mais conhecida por discutir questões femininas do que pelo papel que desempenha no Facebook. \"Você se preocupa com o seu legado?\", pergunto. Ela ri. \"Tenho só 43 anos. Acho que sou um tanto jovem demais para me preocupar com meu legado!\"
Caio na risada também. No entanto, continuo dividida entre a admiração que tenho pela coragem dela em sair da toca - e a agitação pela reação que desencadeou. \"Há alguma coisa que a faça se arrepender de ter escrito o livro?\" Ela nega vigorosamente num movimento de cabeça. \"Mesmo?\" Por um momento seu sorriso jovial se desfaz devagar e as palavras vêm com velocidade, força e sinceridade extraordinárias. 

\"Eu me importo com as críticas? Não! Entendo perfeitamente que a discussão é acalorada e desperta paixões, de ambos os lados - e, na verdade, fico agradecida por isso. Defendo na obra uma mudança muito profunda e a realidade é que não existe mudança sem discussão acalorada. 
Precisamos de emoção, raiva, discussão. Se meu livro é capaz de promover isso, que bom! O pior é a estagnação, sobre a qual ninguém fala.\"
Dou uma olhada no relógio: o tempo reservado para a entrevista se esgotou. Ela aparece acenando na tela e desaparece para ir jogar beisebol. Não tenho dúvidas de que vai se conectar à noite em casa para ver coisas do trabalho. E, de minha parte, parto para o meu \"malabarismo de mãe\". Escrevo este artigo num avião, no voo que me traz de volta das férias com minhas filhas.
Isso não é bem o tipo de feminismo que alguém da minha geração imagina; essa confusa combinação entre família e trabalho também não é um estilo de vida que todas as mulheres escolheriam. Mas espero que, quando minhas filhas forem adultas, mulheres de sucesso que fazem malabarismo como Sheryl não pareçam mais tão extraordinárias. Se isso realmente acontecer, será o verdadeiro progresso. 
Fonte: Financial Times
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