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Com que roupa que eu vou? (ou, O Reverso da Herança)

José Cerqueira Dantas.

Uma onda ameaça o futuro do Brasil, e ela se assemelha a um \"tsunami\": não se sabe quando chegará, se acumula silenciosamente, está ganhando velocidade e volume, ninguém se apercebe da sua ameaça e quando a tragédia se instalar não haverá mais nada a fazer. No nosso país essa ameaça não vem do mar, pelo contrário, ela vem de dentro, e se chama \"processo de envelhecimento populacional\". Este cenário se agrava ante a perspectiva de redução da população economicamente ativa, associada ao encolhimento da população jovem, ao aparecimento do fenômeno dos super-idosos e a um incrível aumento da expectativa de vida. Cito um exemplo familiar: tenho quatro parentes próximos, morando em Teresina, cujas idades, somadas, atingem 345 anos. O que equivale à média de 86 anos por tio!! E eles são tão ativos quanto o são pessoas na faixa dos 70 anos: viajam, leem, consomem, e até ousam dirigir automóveis (sem se envolverem, até o momento, em acidentes notificados). Em passado recente a elevada mortalidade infantil, as guerras, as doenças e a fome trabalhavam no sentido de manter o equilíbrio populacional em níveis estáveis. Tanto era que a humanidade só atingiu o número de 2 bilhões de habitantes há cerca de 200 anos, e agora já somos 6 bilhões de bocas e em mais 30 anos chegaremos aos 9 bilhões ! Ou seja, levamos 5 mil anos para chegar aos 2 bilhões, e agora crescemos 1 bilhão a cada 20 anos...

A composição percentual da população do Brasil pode ser feita entre três grupos:  até 14 anos; dos 15 aos 59 anos; e 60 anos ou mais. De um modo geral, tais grupos são tratados nas análises sócio-econômicas como sendo compostos por \"crianças e adolescentes\", \"população ativa\" e \"idosos\", respectivamente. O grupo acima de 60 anos terá, até 2050, multiplicado por 5 o seu peso relativo na população brasileira, passando de 6 % para 30 % da população total. Seremos, logo mais, um país com velhinhos por todas as partes, enquanto as crianças serão uma raridade.

• Para termos uma ideia da dimensão do fenômeno, entre 1940 e 1980 a população total brasileira cresceu a uma taxa média anual de 2,7 %, taxa essa que entre 1980 e 2010 diminuiu para 1,6 % e que entre 2010 e 2030 passará a ser de apenas 0,6 %.

• Enquanto isso, a população de pessoas com 60 anos ou mais, que entre 1980 e 2010 se expandiu a uma taxa de 3,3 % ao ano, irá acelerar esse ritmo para 3,8 % ao ano entre 2010 e 2030 ! 

Outro dado inquietante: o número de pessoas com mais de 60 anos, que, no Brasil, em 1980, era de pouco mais de 7 milhões, e em 2010 ainda foi inferior a 20 milhões, irá aumentar para mais de 40 milhões em 2030. No ano 2000 havia, no Brasil, menos de 2 milhões de pessoas com idade superior a 80 anos. Em 2030 serão 7 milhões, e em 2060 serão 20 milhões!!

Embora para a economia como um todo \"crianças e adolescentes\" e \"idosos\" constituam grupos que dependem da População Economicamente Ativa (PEA) para serem sustentados, do ponto de vista fiscal a composição entre crianças e adolescentes de um lado e idosos de outro faz toda a diferença, por uma razão simples: enquanto os indivíduos que compõem o primeiro grupo são \"pagos\" pelas famílias (os pais), quem paga as aposentadorias e as pensões é o Tesouro, o Estado.

Essa novidade demográfica tem sido ignorada por todos: imprensa, partidos políticos, opinião pública e governo. A imprensa está mais atenta aos fatos do momento, os partidos políticos só miram as próximas eleições, as religiões só pensam em salvar almas, e por aí vamos...

Mas, percebamos ou não, duas coisas estão acontecendo:a) as pessoas estão ficando mais velhas, e a taxa de mortalidade é menor do que a estimada, e b) as mulheres estão tendo menos filhos. Isso mesmo, nascem menos filhos do que se imaginava. Portanto, a quantidade percentual de jovens está encolhendo.

 

Surge, então, a pergunta: como fica a população  que está longe dos extremos, isto é, que não é nem criança/adolescente, nem idosa? A princípio, representa a população em idade de trabalhar, a qual terá que carregar um duplo fardo: os filhos e os pais. E logo mais, pelo visto, os avós... Com está rápida evolução da população idosa, o país tem pela frente um enorme desafio: enquanto a população jovem encolhe, a população com mais de 65 anos vai aumentar em mais de 160 %. Ou seja, a relação entre a quantidade dos que precisam se apropriar da renda alheia irá dar um salto em relação à quantidade dos que produzem renda.

Para enfrentar esse desafio, só existe um fator de alívio: aqueles que estão na idade de produzir renda e riqueza terão que atingir níveis elevados de produtividade. Ora, o X da questão é que aumentos de produtividade exigem pesados investimentos em educação, infra-estrutura, desenvolvimento tecnológico e treinamentos continuados. Ou seja, custeios sociais bancados pelo Estado. Além disso, esses números colocam questões muito intrigantes acerca do mercado de trabalho: quais são as profissões que mais crescerão no futuro? Quem responder engenharia, informática ou comércio internacional estará errado.

As profissões que mais crescerão vão ser as de enfermeiros de idosos, fisioterapeutas de idosos, cuidadores de idosos, etc de idosos!! A geriatria e a oncologia serão os ramos da medicina que apresentarão os maiores índices de expansão de demanda. As pessoas vão durar cada vez mais e, em consequência, a incidência do câncer irá aumentar, ao mesmo tempo em que o desenvolvimento de drogas muito caras, que prolongarão a sobrevida desses pacientes, implicará em severo aumento dos custos sociais de manutenção dessas pessoas. Além disso, teremos, cada vez mais, que lidar com problemas de saúde pública ligados a questões típicas da \"quarta idade\", como quedas ou longas internações. Isso implica na necessidade de investimentos adicionais em leitos hospitalares e em centros de reabilitação, com suas manutenções onerosas.

Outro desafio que se desenha como particularmente preocupante para a população brasileira está ligado à nossa cultura de consumo. Uma pesquisa da consultoria Nielsen, divulgada recentemente, chamou a atenção ao revelar que, na América Latina, o Brasil é o único país onde primordialmente as pessoas gastam o dinheiro que lhes sobra, ao invés de poupá-lo. Lazer, roupas novas e bens de consumo aparecem como destinos prioritários para os recursos que não são gastos ao longo do mês. Em contrapartida, em países como Chile, México e Argentina, a prioridade é dada para a poupança. Isso é, para a conquista de liberdade financeira no futuro.

Em uma enquete divulgada por uma revista financeira em 2010, e novamente no início de 2013, perguntou-se, para uma amostra representativa da nova classe média brasileira, a razão de se poupar tão pouco no Brasil. A resposta número 1 foi: \"eu não ganho o suficiente para poupar\". Se isso fosse verdade, todo país com baixa renda per capita deveria ter baixas taxas de poupança. No entanto, não é isso que os dados revelam. Uma série de países emergentes, com rendas iguais ou inferiores à brasileira, apresentam taxas de poupança bem superiores à nossa, tanto na Ásia como na América Latina.

Colocar algo que está fora de nosso controle direto (o quanto ganhamos) como motivo para não poupar soa razoável, mas embute a raiz do verdadeiro problema: ser incapaz de controlar as despesas para que sejam compatíveis com a conquista de independência financeira. Decidir gastar ou não em lazer, roupas novas e bens de consumo diversos está 100% sob nosso controle, embora não seja visto como a principal razão para não poupar e investir. Esse impulso pelo consumo tem razões diversas. Boa parte da nova classe média, foco da pesquisa mencionada, por muito tempo não teve acesso à bancarização, ao crédito e, consequentemente, a um patamar de consumo que agora se apresenta.

Resumindo o discurso, em primeiro lugar há um grande erro de estimação por parte da maioria das pessoas quanto à renda que precisarão ter no momento da aposentadoria. A maioria imagina que se, a partir do momento em que para de trabalhar, for capaz de cobrir 70% a 80% dos seus gastos atuais, terá uma aposentadoria segura e tranquila. Contudo, os dados apontam que o padrão de despesas após a aposentadoria aumenta para 110% a 115% daquele observado no final da vida ativa. Isso ocorre principalmente pelos gastos com saúde (medicamentos, plano de saúde, etc) e, de forma secundária, pela subestimação dos gastos com lazer e tempo livre. Ou seja, prepare-se: você gastará mais aposentado do que na vida ativa.

Em segundo lugar, estamos vivendo por mais tempo. A expectativa de vida média do brasileiro vem crescendo de modo consistente ao longo das últimas década e o risco aqui é viver mais do que nossos recursos financeiros. Por outro lado, os fundos de previdência, sejam públicos ou privados, não são instituições nas quais se possa confiar cegamente, sobretudo a longo prazo.

Em terceiro lugar, os filhos, que geralmente atuaram como a \"previdência\" dos pais nas últimas gerações, são cada vez menos numerosos. Se 30 anos atrás cada casal tinha, em média, 4 filhos, esse número hoje é de 1,7 filho por casal. O que quer dizer que o peso financeiro dos pais que não conseguem se sustentar após a aposentadoria recai hoje sobre um número menor de filhos, dificultando a conquista de independência financeira por esses. Uma verdadeira bola de neve que propagará esse ciclo vicioso para outras gerações. E essa não parece uma herança  interessante para se deixar a filhos e netos.

Por fim, não custa mencionar que o benefício médio pago pela previdência oficial, o INSS, não cobre os custos fixos de uma família de classe média, conforme demonstrado pelo padrão de gastos da última pesquisa de orçamento familiar do IBGE. Não se mobilizar para tomar uma atitude que construa sua liberdade financeira por meio da poupança disciplinada e estruturada ao longo do tempo tem quatro consequências bem concretas para você e sua família:

1) Você terá que continuar trabalhando após a idade ideal de aposentadoria (diversos estudos mostram que isso impacta negativamente sobre a expectativa de vida);

2) Você será obrigado a rebaixar seu padrão de consumo e de vida, distanciando-se dos hábitos e prazeres que desfrutava durante a vida ativa;

3) Você será um peso financeiro para seus filhos e tornará ainda mais difícil o processo de conquista de liberdade financeira por eles;

4) Você viverá uma combinação dos três pontos acima, que é o mais comum no Brasil de hoje: continuará trabalhando após os 65 anos, terá rebaixado o padrão de vida de toda a família e será um peso financeiro para as gerações futuras.

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