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A morte precoce da saúde

Quando eu era criança adorava viajar de avião. Talvez um dos melhores momentos das férias fosse a emoção do aeroporto: despachar a bagagem, ver o avião chegando e embarcar na VASP, TRANSBRASIL ou VARIG. Saudades daquele tempo em que tio, tia, avó e primos iam se despedir ou te receber no aeroporto – realmente era um grande acontecimento. Entrar no avião era como entrar numa espaçonave. Aquele ambiente moderno, com poltronas espaçosas, refeições completas, serviço de primeira e o inesquecível cheiro de cigarro. Além do odor, havia um cinzeiro em cada braço da poltrona. O maior absurdo é que achavam que separar os passageiros entre área de fumantes ou não fumantes adiantava de algo.

Pois bem, quase 30 anos depois, o cigarro foi banido de espaços públicos. A publicidade acabou e as embalagens dão ao consumidor informações para que ele tenha conhecimento sobre a escolha que está fazendo. Isso sem contar o imposto elevado, que ajuda no financiamento de gastos com a saúde pública. Sou absolutamente a favor da liberdade de escolha do indivíduo. O mais importante é criar sistemas de informações e leis que auxiliem na redução do consumo ou que favoreçam a compreensão do indivíduo quanto à sua escolha pessoal. A lei seca, por exemplo, está mudando hábitos e já salvou milhares de vidas em todo o Brasil.

Como sociedade, reduzimos o consumo de cigarro e reduzimos os acidentes de trânsito, mas chegou a hora de uma nova fronteira. Precisamos desde já encarar a alimentação como o maior desafio de saúde pública que esse país já teve. Recentemente, o IBGE divulgou um relatório sobre os hábitos alimentares dos brasileiros. Seria muito preocupante o fato de 56% dos brasileiros estarem acima do peso. Mais ainda o fato de 20% serem considerados obesos. Mas o mais alarmante é a morte precoce da possibilidade de uma alimentação saudável para a maioria das crianças abaixo de dois anos. Nessa faixa etária, 32% já estão ingerindo bebidas como refrigerantes ou sucos carregados de açúcares e mais de 60% comem biscoitos, bolachas ou bolos. Estamos impondo aos nossos filhos hábitos que potencializam a chance de que eles se tornem adultos doentes com problemas de hipertensão, diabetes, colesterol elevado e até mesmo câncer.

O pior de tudo é que muitas vezes os pais não tem conhecimento acerca do tema. Diferente do que acontece hoje com o cigarro, o indivíduo ainda não tem a possibilidade de se submeter conscientemente a esses tipos de riscos advindos de uma má alimentação. Mais grave ainda é o fato de que uma criança de dois anos não tem capacidade para fazer suas escolhas – e está sendo forçada pelos próprios pais a talvez se transformar em um adulto doente.

Alguns documentários, como Muito Além do Peso, e ativistas como Jamie Oliver levantam essa bola há alguns anos. Mas chegou o momento de agirmos e traçarmos um plano agressivo de mudança, como, por exemplo, impedir a comunicação lúdica e colocar avisos do Ministério da Saúde nas embalagens de produtos alimentícios. Precisamos criar mecanismos para reduzir o número de adultos doentes. Em palestra no Festival de Cannes, o chef Jamie Oliver afirmou que mais pessoas morrem no mundo pela má alimentação do que por fome. Não podemos ver isso acontecer sem nos mobilizarmos como sociedade.

Vivemos num país em que a saúde é pública, financiada pela receita de impostos que o governo cobra. Significa que, como sociedade, além de cuidarmos de doenças inerentes ao ser humano, assumimos a conta dos indivíduos que tem hábitos prejudiciais à saúde. Você, brasileiro que se alimenta bem, corre no parque e ensina seus filhos a comer legumes e verdura, paga a conta de quem se alimenta mal. O tamanho dos gastos mundiais com relação à obesidade já se equiparou ao cigarro. Mais do que construirmos leitos em hospitais, precisamos trabalhar para reduzir o número de doentes. Isso só será possível mudando os hábitos da nossa população, começando pelas crianças.

Fonte: Pais e Filhos
Sugerida pela enfermeira Rochelle Rufino

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