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Cérebro sugere que poupar pode ser prazeroso

É fácil conceber a ideia de alguém que acorda pela manhã com o desejo de comprar um relógio, sapato ou automóvel novo. No entanto, tente visualizar alguém que acordou hoje com a incontrolável vontade de fazer uma aplicação em um fundo multimercado multiestratégia ou em uma debênture incentivada ou ainda em um PGBL. Não parece nada crível, certo? E, mesmo que encontremos alguém com essa vontade, seria uma exceção entre as exceções. Um pouco de neuroeconomia nos ajuda a explicar porque a primeira situação é normal, ao passo que a segunda soa no mínimo muito estranha. Mais importante ainda, tal compreensão poderia auxiliar no desenvolvimento de maneiras de tornar o hábito de poupar desejável e prazeroso.

Nosso cérebro equilibra automática e inconscientemente o desejo de adquirir bens aos seus respectivos custos. O mero fato de contemplar um bem que desejamos dispara estímulos que ativam a região do cérebro responsável pelo processamento de sensações prazerosas. Felizmente, o cérebro também possui sistemas compensatórios e ativa no mesmo instante regiões associadas ao custo de aquisição, sendo diretamente sensibilizado pelo preço daquilo que desejamos. Essa região do cérebro é também responsável por processar sensações de dor. Esse cálculo de custo e benefício se passa no córtex pré-frontal.

Essa mecânica mental sugere que pode haver duas formas de aumentar a capacidade de poupança de um indivíduo: 
1) evidenciando com mais clareza os preços dos bens desejados e, consequentemente, a "dor" associada aos custos do consumo; e 
2) tornando os benefícios da poupança tangíveis e socialmente desejáveis.

Com relação ao primeiro ponto, evidenciar com clareza os preços e a "dor" associada aos custos do consumo, um estudo feito nos Estados Unidos sugere que a combinação de algumas estratégias pode surtir o efeito desejado. Em primeiro lugar, manusear dinheiro em espécie ao invés de um cartão de crédito no momento da compra deixou os participantes do estudo mais conscientes do gasto que estavam prestes a fazer e, em muitos casos, resultou na desistência da compra. O simples fato de ter em mãos e entregar ao vendedor as notas correspondentes ao preço do bem desejado fez muitos repensarem a compra ao ponto de desistir, aumentando sua capacidade de poupança.

Para outra parte dos participantes foi solicitado que fossem para casa e deixassem a decisão de compra para o dia seguinte. Para esses, o simples fato de ter dormido uma noite com a decisão em aberto, permitiu a muitos consolidar as informações, gerando um consumo mais consciente e anulando os gastos oriundos de decisões de impulso. Tudo isso claramente também incrementa o potencial de poupança do indivíduo.

No tocante ao segundo ponto, tornar os benefícios da poupança tangíveis e socialmente desejados, uma prática comum no Vietnã sugere como usar a força de um grupo em favor da motivação para poupar.

Grupos sempre foram uma forma eficiente de ajudar as pessoas a atingirem seus objetivos. Basta ver quantas pessoas abandonam o vício da bebida ou perdem peso com consistência quando tem o suporte de grupos como Alcoólicos Anônimos e Vigilantes do Peso. No Vietnã, muitos vilarejos contam com o que chamam de Hui, que nada mais é do que um grupo onde cada indivíduo contribui mensalmente para um fundo de poupança comum, geralmente constituído entre amigos e vizinhos. Ou seja, são membros de uma mesma comunidade. Nesse fundo, a cada mês um indivíduo paga os juros aos demais membros em um ambiente que se assemelha a um jogo. O status de um participante é tão elevado quanto sua assiduidade nas contribuições e no incentivo que dá aos demais para participar do jogo. Como consequência, a taxa de poupança desses grupos supera os 30%, que é a média nacional no Vietnã (só como comparação, no Brasil a taxa de poupança é de algo próximo à 13% do PIB).

Outra forma de reforçar o hábito de poupar é torna-lo tangível. Quando você compra um bem de consumo, seja ele um carro ou uma roupa, ela está imediatamente disponível para ser visto e admirado por você e seus conhecidos. Hoje, há uma série de aplicativos e programas que podem jogar um papel importante para tangibilizar algo tão pouco perceptível quanto o esforço de poupança. Por meio da tecnologia podemos monitorar os investimentos e visualmente conferir sua evolução em direção ao objetivo traçado.

Torna-se possível literalmente ver quão próximo estamos daquilo que desejamos. O sitewww.goalsontrack.com é um bom exemplo de ferramenta que permite definir um objetivo a ser alcançado e monitorar visualmente sua evolução. Os objetivos podem ser distintos, como perder peso, montar um negócio próprio ou um plano de poupança. O ponto é que ferramentas como essa tornam tangível, administrável e permitem compartilhar a experiência com outros. Todos esses aspectos são importantes para tornar a experiência de poupar mais interessante e gratificante, e reduzem a percepção de que se tratam apenas de uma privação ao consumo e o prazer no período atual.

Aquiles Mosca é estrategista de investimento pessoal e superintendente executivo comercial do Santander Asset Management. Preside o Comitê de Educação de Investidores da Anbima

E-mail: aquiles.mosca@santanderam.com

Enviada por JC

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