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Livro: presente!

Demorei tanto a entrar na campanha "Dê um livro de presente neste Natal" que me vejo pregando apenas aos retardatários das compras. No entanto, como estes também são um clássico da estação, vale lembrar que a visita a uma livraria é a forma mais eficiente e barata de cumprir a tarefa. Numa loja especializada em livros, de preferência do tipo em que os vendedores sabem o que estão vendendo, pode-se dar conta em minutos de uma variada lista de presentes, cada um custando, em média, menos que dois pares de meias ou uma burocrática camiseta. Se a vantagem já começa financeira, tende a se ampliar de modo vertiginoso no plano simbólico. O sucesso que um livro bem escolhido pode fazer como presente é praticamente ilimitado, havendo mesmo casos documentados —e são fartos—? de belas histórias de amor que começaram assim.

Um exemplo pessoal: o primeiro livro que dei para minha mulher, lá nos anos 80 do século passado, foi o adorável "Os Amores Difíceis", coletânea de contos de Italo Calvino. Na época não imaginava como o título seria profético: só viemos a nos casar 30 anos depois.

Mesmo quando não conduzem ao paraíso, os livros costumam ter boa capacidade de produzir reações de agrado em um amplo leque de leitores —da sobrinha fã de youtubers à sogra doutora em letras, da amiga interessada em cozinhas exóticas ao colega de trabalho carente de argumentos político-econômicos para embasar suas críticas ao futuro governo.

O ecletismo é tão extremo que o presenteado não precisa sequer apreciar a leitura: há livros puramente visuais. A rigor, só um tipo humano não gosta, por princípio, de ganhar livro nenhum de presente: o anti-intelectual militante, ideológico, que odeia nesses tabletes de papel seu poder ancestral de corporificar o próprio pensamento.

No entanto, mesmo a esses, que infelizmente não são poucos, pode valer a pena correr o risco de presentear com um titulozinho escolhido a dedo. O mundo dos livros é tão vasto quanto o mundo propriamente dito. Quem sabe você ajuda o sujeito a encontrar o interruptor da própria cabeça?

A grave crise que se abate hoje sobre o mercado livreiro —consequência da má gestão de grupos que cresceram demais e esqueceram que o livro é um produto, sim, mas um produto diferente de todos os outros—? é só mais um obstáculo no caminho de um objeto que sempre mostrou resiliência.

Seu próprio nome em português reflete isso. A palavra "livro", datada do século 11, é filha do latim "liber", que em sua origem queria dizer "membrana vegetal encontrada sob a casca das árvores". Ou seja, aquilo que se usava como suporte primitivo da escrita.

Primitivo mesmo. O "liber" é anterior até ao papiro dos egípcios, precursor do papel, mas sobreviveu a este como palavra. Mais ou menos como o verbo "discar" sobreviveu ao fim dos discos nos aparelhos telefônicos. Despregado de sua materialidade vegetal, o "liber" logo ganhou uma ampliação de sentido —além do objeto, passou a nomear a própria obra—? que o tornaria resistente à sucessão das tecnologias.

Em forma de rolo e mais tarde de códice, encadernação que prenunciava a do livro moderno, o papiro foi superado na Idade Média pelo pergaminho e pelo papel vindo da China.

Veio a era industrial do livro, com Gutenberg, hoje convivendo com a pós-industrial, a dos ebooks. E a todo esse tumulto resistem o objeto, a ideia e a palavra. Quer presente melhor?


Sérgio Rodrigues - Escritor e jornalista, autor de “O Drible” e “Viva a Língua Brasileira”.
Fonte: Folha

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