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Leite longa vida: Mais prático, menos nutritivo?

Há anos, o primeiro alimento que a arquiteta Alice Pessoa consome no dia é o leite. Multiplicando o meio litro diário pelos 31 anos de idade, ela já bebeu a produção de algumas milhares de vacas. Mas assim como a maioria da população, Alice não sabe de onde vem e muito menos como é feito o leite que ela encontra facilmente em uma prateleira no mercado e abre pronto para consumo.

- Eu escolho o meu leite pelo gosto. Consumo desde pequena, é um alimento que sempre fez parte da minha vida, mas nunca parei para pensar como ele é produzido - confessa a arquiteta.

O assunto ganhou novos ares na semana passada. Alterações de cor, cheiro e sabor do leite vendido pela Elegê fizeram com que a marca fosse proibida em todo o estado do Rio. A Brasil Foods, empresa proprietária da marca, reconheceu problemas em unidades fabricadas nos dias 31 de dezembro, 8 de janeiro e 14 de janeiro, e pediu desculpas à população. Seus produtos foram liberados para o consumo na última sexta-feira. As marcas Parmalat e Líder, ambas da empresa LBR, receberam denúncias de contaminação por formol e também foram retiradas das prateleiras. Após as análises dos produtos nenhuma alteração foi constatada e os leites voltaram a ser vendidos.

Não foi a primeira vez que problemas e suspeitas abalaram o mercado do leite longa vida. Adulterações com formol, álcool etílico, água oxigenada e até soda cáustica no passado não saem da cabeça do consumidor precavido. É aí que entram os questionamentos: que leite é esse?; ele faz bem ou mal à saúde?

A pergunta sobre o tipo de leite que inunda os mercados de Norte a Sul do Brasil é fácil de responder. Trata-se do UHT, popularmente conhecido como longa vida, já que possui uma validade média de quatro meses na embalagem fechada sem refrigeração, e mais três dias após aberto em refrigeração.

Saquinhos fora de moda

Ao contrário do que pensa a maioria, não são os conservantes os responsáveis por tamanha durabilidade. O UHT dura mais pois passa por um processo de aquecimento em temperaturas de até 150 graus Celsius por alguns segundos, o que elimina a maior parte dos micróbios contidos no leite. Ele é, então, envasado em um tipo de embalagem asséptica - sistema fechado que garante a não contaminação - e distribuído.

- O UHT dominou o mercado em função da facilidade e da comodidade apresentada ao consumidor - analisa o professor titular do departamento de nutrição da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista Elizeu Antonio Rossi. - Apesar de ser benéfico por ampliar o consumo em locais remotos, e de ser um leite microbiologicamente melhor do que os outros, ele perde alguns nutrientes pelo tratamento térmico intenso que recebe.

Rico em vitaminas, proteína, cálcio e fósforo, o leite sempre foi um produto essencial na dieta da população mundial. No século XIX, a descoberta dos micróbios e o surto de doenças como a tuberculose colocaram a bebida na berlinda até a descoberta, por Louis Pasteur, de um método de aquecimento que eliminava os germes. Foi a criação do leite pasteurizado.

- Na pasteurização, o leite sofre aquecimento de 75 graus Celsius por 15 segundos, o que destrói especialmente a sua flora patogênica (que causa doenças) - explica Daniel Lehn, coordenador do curso de Engenharia de Alimentos da Univates. - Mas sobra uma carga microbiana, por isso ele deve ser mantido em refrigeração por no máximo três dias

Essa forma de fabricação também gera perda de nutrientes, mas em quantidade bem menor, quando comparado ao UHT. Deixados de lado por ter validade pequena, os saquinhos de leite pasteurizados, dos tipos A, B e C, sumiram da vista da maior parte dos consumidores. Mas há aqueles que, mesmo sem saber a diferença entre um processo e outro, sentiram no sabor o maior benefício.

- Há algum tempo vínhamos sentindo uma insatisfação, tanto no sabor quanto na textura do leite de caixa. Com isso, começamos a comprar o de saquinho. Foi aí que percebemos a imensa diferença que há entre os dois - conta a auxiliar administrativa Teresa Campos. - Desde então, só consumimos o de saquinho. Meu filho Matheus (7 anos) também sentiu a diferença. Se, por algum motivo, temos que oferecê-lo o de caixa, ele percebe. O sabor me parece mais natural.

Aquecimento gera perda de nutrientes

Apesar de todos os especialistas ouvidos serem unânimes quanto à perda nutritiva do UHT e a melhor qualidade do pasteurizado, eles discordam quanto ao consumo ou não do leite de caixa. Para o clínico geral Alexandre Feldman, o UHT deve ser evitado.

- O problema de ultrapassar uma certa temperatura é que você elimina boa parte das vitaminas, sensíveis ao calor - aponta Feldman. - Sem vitamina D, por exemplo, absorvemos muito menos cálcio, o principal motivo pelo qual incentivamos o consumo do leite.

A alta temperatura do processo longa vida, diz o clínico geral, também oxida o colesterol. O ‘oxysterol’ - como é chamado o colesterol oxidado em pesquisas científicas - há seis décadas é apontado por Fred Kummerow, professor emérito de ciências biológicas comparativas na Universidade de Illinois, nos EUA, como um dos principais fatores de risco para doenças cardíacas.

- A minha indicação é o consumo do leite cru, mas só se conhecermos um fabricante de confiança, para que não seja preciso fervê-lo. O aquecimento, mesmo em casa, gera perdas de nutrientes. Se não for possível, que consumam o leite tipo A - aconselha Feldman, que explica também a diferença entre A, B e C . Não tem a ver com gordura ou liquidez do leite, mas com o grau de contaminação, sendo o A o de melhor qualidade.

Já para Ary Lopes Cardoso, pediatra responsável pela Unidade de Nutrologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, em São Paulo, não há problema algum no consumo do UHT.

- Há quem critique o leite longa vida, mas eu acho que não podemos desprezar o cálcio que ele contém. A minha indicação é que, após um ano de idade, a mãe dê ao filho o que consome em casa. E se for UHT, não vejo problema.

Mas, segundo a nutricionista Priscila Gusela, o leite deve ser evitado.

- Não precisamos do leite, muito menos do UHT. Podemos consumir o cálcio, por exemplo, em folhas verdes ou no ovo.

Seja qual for a escolha, problemas de contaminação e baixas nutritivas acontecem em quase todos os produtos industrializados. A melhor dica, então, é se informar e ficar atento a qualquer modificação no produto.

Glossário

Leite cru: o leite puro é o mais rico em nutrientes, mas é difícil de encontrar e há o perigo da contaminação. Se for fervido, perde praticamente a mesma quantidade de nutrientes do pasteurizado.

Leite pasteurizado: praticamente todo o leite consumido no Brasil é pasteurizado antes de sair da fazenda. A bebida é aquecida entre 72 e 78 graus Celsius, o que elimina a maior parte dos micróbios patogênicos, aqueles causadores de doenças. Os micróbios benéficos ficam no leite, por isso possui validade pequena, de no máximo três dias.

Tipos A, B e C: a diferença entre os tipos depende do grau de contaminação. Quanto maior o cuidado do fabricante, maior será a qualidade. O tipo A é o menos contaminado. A partir do ano que vem, a Instrução Normativa 62, do Ministério da Agricultura, prevê a extinção dos tipos de leite pasteurizado. Todos terão que entrar no padrão A para serem liberados ao consumo.

Longa vida: o leite UHT, sigla para ultra high temperature (em tradução livre, temperatura ultra elevada), é o tipo de leite mais esterilizado. Ele é aquecido por um período que varia entre dois e cinco segundos, em uma temperatura entre 120 e 150 graus Celsius. Não sobra nenhuma bactéria, mas a perda de nutrientes é grande, e especialistas sugerem que o processo gera o colesterol oxidado, apontado como fator de risco para doenças cardiovasculares, pois aumenta a deposição de cálcio na parede arterial.

Desnatado e semidesnatado: ambos têm menos gordura do que a versão integral. No entanto, o desnatado passa por um processo industrial ainda maior que afeta a composição de vitaminas e minerais.

Fonte: O Globo

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