post image

Isolamento tecnológico reduz interação pessoal

“Falamos muito hoje, quer de maneira real ou virtual, mas pouco nos entregamos ao que dizemos. Há uma sensação de solidão e abandono. As palavras saem das nossas bocas, mas morrem antes de atingir o alvo, que seria a compreensão do outro”. A afirmativa é do dramaturgo Sérgio Roveri, autor da peça de teatro “Opus 12 Para Vozes Humanas”, na qual reflete sobre os tempos modernos, em que as pessoas tendem ao isolamento, apesar do aumento das conexões criadas pelas redes sociais.

Podemos observar a cada dia, e em todos os grupos de relacionamento humano — família, trabalho, escola, casais, namorados, amizades — um aumento significativo nas conexões. Porém, esse crescimento não tem sido acompanhado da atenção mútua, o que implica em diminuição do grau e intensidade nos relacionamentos. Esse processo também se dá no relacionamento consigo próprio, afetando o exercício da reflexão — essencial para o desenvolvimento como ser humano.

Um dado significativo dessa constatação é que o maior crescimento no uso do Facebook é da população acima de 65 anos. Nos Estados Unidos, o número de usuários idosos aumentou 10% em 2013. É evidente que para esta população, o uso dessa ferramenta tecnológica funciona como uma forma de romper com o isolamento. A contrapartida é a redução do esforço e do desejo em manter contatos pessoalmente.

Entre os jovens, os índices continuam aumentando. Para muitos, é uma forma de criar um “personagem”, sem a necessidade de se expor na sua integridade de ser humano. Tem crescido, inclusive, o número de relacionamentos virtuais em substituição ao “olho no olho”.

Até o conhecido escritor e pesquisador Daniel Goleman, autor da tese da inteligência emocional, abordou o assunto em seu último livro, “Foco – A atenção e seu papel fundamental para o sucesso”. Segundo ele, esses novos hábitos serão decisivos para o destino da atual e das futuras gerações. As crianças crescem cada vez mais conectadas a máquinas e menos a pessoas. Para muitos neurologistas, a prática pode ser perigosa, pois o circuito social e emocional do cérebro infantil aprende por meio dos contatos e conversas com os outros.

“A realidade mostra que os seres humanos estão mais desatentos do que nunca. Em restaurantes, dá para perceber que os casais, numa ocasião potencialmente romântica, preferem mirar seus telefones a olhar nos olhos. A atenção está sob ataque”, diz ele.

Na época do Blackberry, foi cunhada uma expressão para os que se tornaram viciados em conferir permanentemente as mensagens no aparelho. Eram considerados “crackberry”, em referência à droga.

Goleman divide a atenção humana em três: Foco interno/ Foco externo e Foco no outro. Segundo ele, o equilíbrio entre esses elementos pode ser a chave para “uma vida bem vivida”. O foco interno é responsável por sintonizar o indivíduo em suas intuições e valores. O foco no outro ajuda a conduzir as relações sociais. E o externo lhe dá pistas para entender as regras sob as quais a realidade funciona.

Ele conclui afirmando que “se desprezarmos os três focos, a empatia é ameaçada. Quanto mais desatentos estamos, menos podemos expressar compaixão”.

Numa época em que o volume de informações, os avanços tecnológicos e as complexidades da vida como um todo só tendem a aumentar, é necessário refletir sobre o tema — especialmente porque um dos novos desafios do ser humano é conseguir se reinventar ao longo de todas as etapas da vida.


Fonte: Valor Econômico

Compartilhar

Permito o uso de cookies para: