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Dieta do glúten causa controvérsia entre os cientistas

Basta um teste rápido para identificar a nova febre mundial no que diz respeito a regimes de emagrecimento. Uma conversa no trabalho, com os amigos, na academia e com certeza você ouvirá que alguém está fazendo, fez ou pretende fazer a dieta do glúten. Retirar o nutriente do cardápio tornou-se a solução mais propagada do momento para perder peso e ter mais saúde. A recomendação contagiou o Brasil, os Estados Unidos, a Europa. Os números de um mercado em franca expansão confirmam a crescente popularidade desse movimento. Nos Estados Unidos, por exemplo, a previsão é de que o consumo de produtos sem glúten salte de US$ 2,6 bilhões, em 2010, para US$ 5 bilhões em 2015.

O glúten é uma proteína existente no interior dos grãos. Nas plantas, cumpre a função de guardar nitrogênio e carbono para a germinação das sementes. Não tem calorias ou função importante no organismo. Sua vantagem é ter se tornado imprescindível na panificação. Por suas características, acrescenta viscosidade e elasticidade às massas e pães.

Deixar de consumi-lo significa riscar do prato sua principal fonte, o trigo, e outros cereais em que também está presente em menor quantidade, como a cevada, o centeio, o malte e a aveia. Em substituição, a orientação é usar outras fontes de carboidratos, como a farinha de mandioca, arroz e tubérculos como o inhame.
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EFEITOS COLATERAIS

Os defensores da exclusão argumentam, em primeiro lugar, que a troca elimina eventuais desconfortos abdominais provocados pela substância. “O glúten é uma proteína grande e de difícil digestão. Ele altera a bioquímica do intestino, pode levar à diarreia e constipação e prejudica a absorção de nutrientes”, diz a farmacêutica e nutricionista funcional Lucyanna Kalluf.

A endocrinologista Júlia Gouvea, de São Paulo, também recomenda a retirada do glúten da alimentação. “Pesquisas provam que o nível de inflamação do organismo – maior nos obesos e se eleva por reação ao glúten e à lactose – aumenta a predisposição à manifestação de problemas cardiovasculares e de doenças autoimunes, entre elas a diabetes tipo 1”, diz. Tirar o nutriente, para ambas as especialistas, equivale a remover um fardo do metabolismo, que passa a trabalhar mais rapidamente.

A ciência concorda que o glúten não é uma substância completamente inofensiva. Ele não pode ser consumido de forma alguma por portadores de doença celíaca. Nesses indivíduos, a ingestão do composto ocasiona uma reação autoimune que com o tempo produz danos na mucosa do intestino delgado, causa má absorção de nutrientes e pode levar a uma grande variedade de sintomas, como diarreia, distensão abdominal e perda de peso.

Um dos argumentos que embalam a onda glúten-free é a afirmação de que há indivíduos que não teriam a doença celíaca ou alergia ao trigo (neste caso, o corpo produz anticorpos específicos contra o glúten), mas uma sensibilidade à proteína. “Sensibilidade ao glúten é uma condição mais recentemente identificada que imita muitos dos sintomas de doença celíaca, mas é menos grave e não causa dano intestinal. Temos muito a aprender sobre ela”, disse o cientista Alessio Fasano, do Centro de Pesquisa Celíaca e Tratamento do Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos.

“Meus estudos revelaram uma nítida diferença entre o mecanismo molecular da doença celíaca e o da sensibilidade ao glúten. Agora, trabalho para achar uma substância que sirva de marcador para diagnosticar a sensibilidade ao glúten”, afirmou. Fasano e a escritora científica Susie Flaherty acabam de lançar o livro “Gluten Freedom”, ainda sem tradução. Para ele, quem tem sensibilidade à proteína de fato se beneficia com a sua retirada.

SERVE PARA QUEM?

Aqui, porém, começam os problemas apontados pelos críticos dessa estratégia. “As únicas pessoas para quem a retirada do glúten é recomendada são os celíacos”, afirma a endocrinologista Cintia Cercato, do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. “E eles somam apenas 1% da população”, complementa.

Há também uma grande controvérsia no meio científico em relação à tal sensibilidade ao glúten. Recentemente, Peter Gibson, da Monash University, o mesmo pesquisador que em 2011 publicou artigo sobre o assunto, surpreendeu seus pares com a divulgação do resultado de outras duas pesquisas, dessa vez feitas com mais rigor, mostrando que a sensibilidade existe, mas não é tão comum, e que, na verdade, o responsável pelos sintomas de desconforto não seria o glúten, mas um tipo específico de carboidrato conhecido como FODMAPs.

“Pessoas sem doença celíaca, mas com desconforto abdominal, podem se beneficiar com a redução do consumo de alimentos com trigo, mas isso está sendo atribuído incorretamente ao glúten”, afirmou o cientista. “Nossos estudos não identificaram qualquer evidência de que a proteína seja a responsável pelos sintomas. As 37 pessoas estudadas melhoraram quando foi diminuída a quantidade de FODMAPs. Isso não significa que todos os indivíduos que pensam ser sensíveis ao glúten não o sejam, mas isso é muito incomum, para dizer o mínimo”, disse.

O cientista Alessio Fasano contesta. “A intolerância alimentar, geralmente envolvendo o açúcar dos alimentos e os FODMAPS, é muito diferente de sensibilidade ao glúten. É como comparar maçãs e laranjas”, diz. “No entanto, pode ser que eles agravem o quadro clínico da sensibilidade ao glúten”, afirma.

Outra ponderação contra a dieta é que ela priva o organismo de uma boa parte de carboidratos, fonte importante de energia. Sem ela, o corpo pode acabar recorrendo às fontes da gordura e da proteína para obter o combustível de que necessita. “Quebrar a proteína da gordura, por exemplo, para transformá-la em energia tem um custo alto para o organismo”, afirma o pediatra Mauro Fisberg, de São Paulo, também especialista em nutrição. Há um gasto metabólico desnecessário aplicado para essa função.
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Fonte: IstoÉ

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